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"Somos todos do reino animal e também gostamos de ser respeitados e bem tratados"

As ruas de Lisboa preencheram-se este sábado com milhares de manifestantes. Desde o Marquês de Pombal, passando pelo Tribunal Constitucional, com término no Rossio, várias regiões do país estavam representadas na luta pela consagração dos direitos dos animais na Constituição da República Portuguesa.

RUI MINDERICO

Maria Madalena Freire

De Olhão a Vila do Conde, a manifestação do Intervenção e Resgate Animal juntou cerca de 10 mil pessoas de todo o país em defesa dos direitos dos animais.

Por volta das 15:00 a praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, é preenchida por tambores, apitos e gritos por “justiça” num dia em que o sol de inverno decidiu aparecer.

Mas não é pelo sol que o clima da manifestação aquece: é pelos animais e os seus direitos.

“Nunca, em tempo algum, houve esta mobilização pelos direitos dos animais”, afirma Isabel Rodrigues, que veio de Guimarães com mais 21 pessoas num autocarro que partiu do Porto.

No início da concentração dos manifestantes na praça, iam chegando vários núcleos de várias zonas do país, à espera do autocarro dos organizadores para arrancar a marcha.

“Estamos aqui pelos direitos dos animais, pois não faz sentido que a nossa legislação tenha estas lacunas e, então, nós damos a nossa voz por eles. É inadmissível não estar assegurado na constituição, mas, à boa maneira portuguesa, nós construímos a casa pelo telhado.”, afirma Isabel.

Em causa está o artigo do Código Penal que criminaliza os maus-tratos aos animais e que foi aprovado há oito anos. No entanto, a pena até dois anos nunca se chega a confirmar porque o Tribunal Constitucional (TC) tem vindo a considerar que a lei, perante a liberdade de uma pessoa, é inconstitucional.

Caso que o confirma é o de Santo Tirso, onde morreram 73 animais carbonizados durante o incêndio em dois abrigos ilegais, que foi arquivado, sem nenhum acusado.

“Temos crime no Código Penal mas a Constituição não é clara e a interpretação é feita da forma como os juízes entendem e desconsideram os animais”, conclui a vimaranense.

Juntamente com quem veio de Guimarães, também da cidade do Porto se juntaram seis autocarros às 10:30 para trazer à capital 356 pessoas, mais 56 pessoas de Coimbra, organizados por Vera Monteiro.

"Viemos com a esperança de conseguir dar a voz que os animais precisam e de ter uma lei seja aplicada e não inconstitucional .Tenho confiança que surta efeito, pois se o Governo está onde está, foi porque o elegemos", disse.

E, mesmo com um furo no pneu num dos autocarros a meio do caminho, toda a comitiva do norte do país se juntou para ajudar a trocar o pneu e, em meia hora, rumar de novo até Lisboa.

Sem furos, mas com asas, vieram seis pessoas da Madeira para se juntarem à manifestação organizada pelo IRA.

“Na Madeira temos muitos casos complicados e precisamos que seja feito algo”, conta Mara Soares, de 27 anos, e voluntária da Associação Alimentar Cães.

Chegaram a Lisboa de manhã e partem para a ilha, de novo, à noite, com a esperança que os seus gritos, apesar de poucos, se ouçam pelo caminho até ao Tribunal Constitucional.

De diferentes locais, mas também de diferentes idades, miúdos e graúdos juntam-se à causa no centro de Lisboa.

Uma mãe trouxe as suas duas filhas de Alcochete, sob o mote de as educar para causas que são importantes.

“Quero educá-las para que protestem por causas justas e esta causa é isso mesmo.”

Já os graúdos vêm sozinhos, de autocarro e de Odivelas, como é o caso de Alfredo Fernandes, de 95 anos, que se predispõe a caminhar até ao TC e rumo ao Rossio pelos direitos dos animais.

“Sou contra os maus-tratos dos animais, eu também sou um animal, somos todos do reino animal e gostamos de ser bem tratados e respeitados”, explica Alfredo.

“Existem juízes com egos que voam mais alto que a sociedade civil”

O autocarro do IRA chegou, no entretanto, a entoar música com gritos de guerra, seguidos por uma entourage de motards.

Toda as pessoas que se concentraram na praça abriram os braços e fizeram o máximo barulho possível por aqueles que não têm voz - os animais.

“Hoje trouxemos a faixa para vistas aéreas, porque existem juízes com egos que voam mais alto que a sociedade civil”, discursou Tomás Pires, presidente do IRA, do topo do autocarro com tambores e a deitar fumo preto.

O presidente e organizador da manifestação referiu que não há cor políticas nos protestos, afirmando-se apenas como um homem que se recusa “a viver numa sociedade em que se assiste a monstros a agredir animais e que a lei o permite”.

“Salvar Portugal não cabe só aos guardiões da Constituição, mas também aos portugueses”, conclui Tomás Pires que assume ter a paciência a “arder”.


Com uma volta barulhenta em torno da estátua do Marquês, o autocarro foi seguido por um grupo de 50 motards para depois ir em marcha até ao Tribunal Constitucional.

E pelas artérias de Lisboa ouvem-se gritos por “justiça”, o rugir de tubos de escape de motociclos e as peles dos tambores a serem fortemente batidas.

Hoje, o Presidente da República anunciou em comunicado estar ao lado dos direitos dos animais, apoiando que passe pelo Parlamento algo que vigore nesse sentido.

A rua de O Século é demasiado estreita para o autocarro entrar, e, por isso, a marcha chegou lenta, com Alfredo já com uma garrafa de água para aguentar o trajeto pelas ruas de Lisboa.

Com ainda pouco alarido, os milhares de manifestantes foram-se aglomerando.

O crescer do barulho fez curiosos sair dos prédios e aplaudir quem marchava. Os milhares de manifestantes gritaram por justiça perante o TC com o IRA a lançar o seu fumo negro mais uma vez.

A importância de se fazerem ouvir junto do TC passa pelas decisões de absolvimento e de arquivamento de casos que, segundo os manifestantes, não fazem cumprir a lei do Código Penal.

“Não nos podemos atrasar tanto, também já o estamos na educação, mas é fundamental que os direitos dos animais estejam na constituição”, afirma Rita Blanco, uma de muitas figuras públicas que se encontravam presentes na manifestação.

A atriz defende que “não há assuntos mais importantes”, não se “sobrepõem” e, neste caso em particular, quem sofre não tem voz, então alguém tem de gritar por eles.

“É fundamental que as pessoas falem sobre isto e quem tem de fazer efetivamente alguma coisa é o Estado, que se tem de responsabilizar pela segurança dos animais”, afirma Rita Blanco.

O barulho foi feito e a concentração de pessoas de todo o país até os organizadores surpreendeu.

No Rossio terminou a marcha, mas resta saber se foi o suficiente para cessar a luta.

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