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“Os mais afetados somos nós”: o outro lado da greve dos professores

Grupo de alunos de Valença apoia luta dos professores em greve, mas reconhece que os estudantes estão a ser afetados pela falta de aulas. "Não temos aulas, as matérias não vão ser dadas", alerta uma aluna ouvida pela SIC Notícias.
D.R.

Ana Rute Carvalho

As greves de professores traduzem-se em alunos sem aulas. Apesar desta ser uma boa notícia para alguns, há outros estudantes que estão preocupados com as consequências que isto pode trazer a longo prazo no currículo escolar de cada um. A SIC Notícias falou com três alunos de uma escola no norte de Portugal, que se mostraram apreensivos com a atual vaga de greves.

De norte a sul, escolas estão a encerrar todos os dias devido à greve dos professores por tempo indeterminado.

Quando se entra no site do Agrupamento de Escolas de Muralhas do Minho, é logo aberto um aviso de "greve", que alerta a comunidade escolar para a possibilidade de as escolas do agrupamento encerrarem devido à paralisação de docentes e não docentes.

E foi, exatamente, isto que aconteceu a 10 de janeiro, quando a Escola Básica e Secundária de Muralhas do Minho fechou. Mas esta greve, que foi acompanhada de uma manifestação dos professores, teve uma particularidade.

Cerca de 30 alunos da escola juntaram-se à manifestação para apoiar os professores. "Sem professores não temos futuro" ou "Valorizar o professor, a lição que nunca fizemos" foram algumas das frases escritas pelos estudantes em cartazes com que se fizeram acompanhar no dia do protesto.

"Ninguém vai querer ser professor"

Carolina, de 15 anos, é uma das alunas que quer apoiar os professores e em entrevista à SIC Notícias explica o porquê de ter participado na manifestação: colocações a centenas de quilómetros, salários insatisfatórios e a falta de valorização. "Não é uma profissão atrativa. Se perguntar aos alunos da escola se alguém quer ser professor, ninguém quer ser professor", afirma.

André, de 17 anos, questiona o futuro do ensino, que pode vir a tornar-se negro devido à falta de professores. Alunos sem formação e sem recursos é a previsão feita pelo jovem.

"Nas próximas gerações, se isto continuar assim, ninguém vai querer ser professor", diz Bruna, outra aluna da escola em Valença.

Agravada pelo número de reformas, a falta de professores em Portugal já é uma realidade dos dias de hoje e este é um dos problemas que os docentes se queixam nas manifestações.

Numa profissão cada vez mais envelhecida – metade dos professores do básico e secundário tem mais de 50 anos -, há também cada vez menos interessados pela carreira.

Segundo dados do Conselho Nacional de Educação, a percentagem de professores com menos de 30 anos desceu de 7,4% em 2010 para 1,6% em 2020. Em 2019/20, houve mestrados que habilitam para o ensino que não abriram. Dos 158 mestrados disponíveis, 23 não chegaram a começar.

Carolina defende que os professores deviam ser mais valorizados pelo papel que desempenham. "São a base essencial da nossa sociedade. Eles deviam ser mais compensados, porque têm um papel super importante na nossa sociedade", afirma.

"Os professores são uma base para o futuro de um país", diz André.

"Não temos aulas, as matérias não vão ser dadas"

Mais do que apoiar a luta dos professores, Carolina reconhece que a situação da falta de aulas não é a ideal. "Não temos aulas, as matérias não vão ser dadas". E este é um problema para quem já pensa no futuro, com as médias e as notas dos exames a contarem para a entrada na faculdade.

"Estamos a perder a maior parte da matéria. Vamos ficar sem aprender a maior parte das coisas que tínhamos para aprender", confessa Bruna. "Os mais afetados [pelas greves] somos nós."

À SIC, a jovem de também 15 anos mostra-se preocupada com a falta de aulas, mas reconhece que os "professores estão no direito deles".

Também André considera que os professores "fazem bem lutar pelos seus direitos" e concorda com as greves "mesmo dificultando a vida dos alunos". Defende que, sem condições de trabalho confortáveis, os professores não vão ter o mesmo desempenho e disposição para trabalhar.

Os três jovens fazem parte de um grupo de alunos que apoia professores do Agrupamento de Escolas de Muralhas do Minho. Esperam que o seu apoio possa ajudar a trazer mais visibilidade às greves e manifestações dos docentes e, por consequência, que as exigências sejam atendidas.

Questionado sobre possíveis formas de ajuda, André reconhece que os alunos "são um grupo extenso" e "com muitos meios de comunicação". "Se nos unirmos, podemos ajudar os professores que protestam de várias partes do país."

"Quanto mais o tempo [a greve] se prolongar, mais nos vai afetar a nós. Então, se ajudarmos... A nós não nos custa nada e vai-nos trazer boas coisas", confessa Carolina.

A jovem de 15 anos criou um grupo do WhatsApp com cerca de 150 alunos da escola. Na manifestação de terça-feira, cerca de 30 estudantes apareceram para apoiar os docentes.

"Os alunos não estão importados, gostam da greve. São mentalidades, não posso mudar isso", reconheceu Carolina, que concordou que o apoio não é generalizado. “Tentar [mudar mentalidades] vou, mas conseguir será mais difícil.”

André reconhece que não são só os alunos que querem apoiar os professores, mas também os pais, que ajudaram "a fechar a escola" no dia 10 de janeiro: "Temos também a ajuda dos nossos pais que, claramente, estão infelizes por nós estarmos impossibilitados de ter um bom ensino."

"Sem professores para ensinar e sem alunos para aprender, as escolas não fazem sentido estar abertas" , diz o jovem.

Alunos e professores entregaram também uma carta aberta ao deputado do PSD, Jorge Salgueiro Mendes, eleito pelo círculo de Viana do Castelo, que esteve na escola para dar uma palestra. Depois desta carta, esperam conseguir fazer um abaixo-assinado, como uma forma de luta para apoiar os professores.

Professores em greve: as reivindicações e as formas de contestação

Milhares de professores de norte a sul do país estão há várias semanas em greve. Protestam contra algumas das propostas do Ministério da Educação para a revisão do regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente.

Entre as propostas contestadas estava a possibilidade de a contratação de professores passar para entidades locais ou que a graduação profissional deixasse de ser o único critério dos concursos. Sobre a primeira, o Governo esclareceu que os órgãos criados para o efeito decidiriam apenas sobre a alocação às escolas dos docentes que já estivessem integrados em cada mapa interconcelhio. Sobre a segunda, o ministro da Educação já anunciou que deixaria cair essa possibilidade.

Os professores reivindicam ainda a recuperação total do tempo de serviço, o fim das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente, o fim da precariedade, a criação de um regime especial de aposentação e soluções para o excesso de burocracia. A estas exigências antigas vem-se juntar agora o aumento dos salários, de modo a compensar o impacto da inflação.

Além das manifestações quase diárias, os professores fazem diferentes greves em simultâneo.

Já o protesto no Agrupamento de Escolas de Muralhas do Minho vai continuar a ter um apoio especial: os estudantes. Para que os alunos não continuem a ser prejudicados por uma luta que "já dura há muito tempo", diz Carolina, o grupo de Valença vai continuar ao lado dos professores, de modo a tentar dar mais visibilidade às suas reivindicações.

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