País

Greve: estão os professores a atentar contra o direito à educação?

Os professores estão em greve de Norte a Sul do país, milhares de alunos estão sem aulas e algumas escolas estão fechadas. Sem um fim à vista para esta situação, a questão que se coloca agora é saber qual dos dois pratos da balança deve pesar mais: o direito à greve dos professores ou o direito à educação dos alunos.

RUI MINDERICO/Lusa

SIC Notícias

O primeiro período letivo terminou em protesto, mas o segundo arrancou (ainda) pior, com alunos sem aulas devido à greve dos professores. Apesar do caos em que muitas escolas se encontram, esta situação foi pré-anunciada e há o risco de “luta” se estender a fevereiro.

Para o dia 11 desse mês está já marcada uma greve nacional, organizada por oito sindicatos. As reivindicações em causa não mudam: revisão dos regimes de contratação, a recuperação do tempo de serviço e a atualização das carreiras.

Entre concentrações à porta das escolas, acampamentos em frente ao Ministério da Educação e manifestações de Lisboa à Póvoa do Varzim, são os alunos quem mais sofre com esta greve - que parece não ter fim para breve.

O presidente do Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (S.TO.P.) alerta que as greves não vão parar tão cedo, em defesa da escola pública e em prol de "melhores condições de trabalho dos docentes, mas também melhores condições de aprendizagem para os alunos".

E mesmo depois de o Ministério da Educação agendar novas negociações com os sindicatos, as manifestações continuam por todo o país. Tendo em conta as repercussões destas reivindicações, o Governo pediu um parecer à PGR sobre a legalidade destas greves.

Entre o direito à greve e o direito à educação, o que impera? Algum deles se sobrepõe? Há algum benefício nestas paralisações? E os alunos como vão recuperar as aulas perdidas?

As dúvidas em cima da mesa são relevantes mas as respostas são, neste momento, incertas.

Dois direitos constitucionais em conflito

Apesar de o direito à greve estar consagrado na Constituição da República Portuguesa, também nela está o direito à educação, pelo que estamos perante um “constrangimento”, como explica o advogado laboral, Pedro da Quitéria Faria.

“O que deve imperar é o equilíbrio entre dois direitos constitucionalmente consagrados, sendo que um deles há de ser constrangido, na medida em que o direito à greve é indiscutível e o direito à educação também”, refere.

Apesar da greve dos professores ter efeitos nocivos para os alunos, não é por isso que esta se torna “ilegítima”. No entanto, para o advogado, “se a greve tiver um tempo prolongado, parece prudente que o Governo esclareça junto do Tribunal Arbitral se existem serviços mínimos”.

Desta forma, as consequências para os alunos poderiam ser mitigadas, ficando asseguradas as necessidades mínimas, como aulas de disciplinas com exame obrigatório.

“O direito à educação, na minha perspetiva, também se trata de um serviço social impreterível e a sua coartação por um largo período de tempo pode colocar em causa esse direito constitucional”, reforça o advogado.

Há, também, outras questões que se colocam, caso a greve se estenda por um longo período, como a desvantagem dos alunos com carências sócio-económicas que, sem aulas, não conseguem ter acesso a explicações, por exemplo.

Mais. Existindo greve, "quem é que cuida das crianças?".

“Existe um conflito de deveres: o dever dos pais prestarem os seus serviços à sua entidade empregadora e o dever de cuidar”, acrescenta Pedro Quitéria Faria.

Se a criança ou adolescente não tiver autonomia e os pais não tiverem uma alternativa válida para ter alguém com quem os deixar, “a falta é justificada e sem perda de retribuição”, segundo o advogado laboral.

Neste sentido, para o advogado seria “interessante” começar a ponderar um eventual direito a constituir perante estas novas questões. “O teletrabalho poderá ser solução durante o período em que a greve se prolongue”, sugere.

No entanto, será difícil avaliar a legalidade da greve por poder estar em conflito com outro direito constitucional - o da educação.

“Admito que um tribunal se pronuncie sobre a licitude na forma como esta greve está a ser executada, mas (…) é um tema complexo”, explica Quitéria Faria, ressalvando que “se for ilícita, não se suspende o contrato de trabalho e estes trabalhadores grevistas terão faltas injustificadas”.

As reivindicações dos professores

Um dos principais pedidos está estipulado no abaixo-assinado contra o recrutamento de diretores ou entidades locais, que já conta com 47 mil assinaturas recolhidas pela Fenprof.

Os sindicatos rejeitaram essa possibilidade de contratação, justificando que representa um passo rumo à municipalização da contratação de professores, e exigiram que a graduação profissional continue a ser o único critério dos concursos.

O ministro da Educação, João Costa, assegurou que não há qualquer processo de municipalização e que a antiguidade dos professores vai ser o critério no modelo que está a ser negociado com os sindicatos para a vinculação.

Mas existem outras reivindicações: o fim das cotas para alcançar o topo de carreira, a contagem do tempo de serviço, a aposentação e as condições de trabalho dos professores.

A mobilização dos sindicatos

Desde 9 de dezembro, o S.TO.P. está em greve por tempo indeterminado e no próximo dia 14 volta a sair à rua para uma marcha pela escola pública. Além disso, entregou pré-avisos de greve até ao final deste mês, que alargou também aos trabalhadores não-docentes.

O S.TO.P. reclama ainda pela falta de um aumento salarial que compense a inflação, que motiva a "falta de professores", a ausência de contagem de tempo de serviço que esteve congelado, as cotas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, a penalização na aposentação após 36 anos de serviço e a vinculação dinâmica dos contratados.

A par destas ações, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), uma das principais organizações sindicais do setor, também decidiu retomar as greves ao sobretrabalho e às horas extraordinárias, que tinham sido iniciadas a 24 de outubro.

Em articulação com outros sete sindicatos (ASPL, PRÓ-ORDEM, SEPLEU, SINAPE, SINDEP, SIPE e SPLIU), a Fenprof convocou uma greve durante 18 dias - entre 16 de janeiro e 8 de fevereiro - em cada um dos 18 distritos.

Além disso, neste momento e até sexta-feira, representantes do sindicato encontram-se acampados em frente ao Ministério da Educação, no centro de Lisboa.

O Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE) convocou uma greve parcial. Neste caso, a paralisação que arrancou no dia 3 deste mês foca-se no primeiro tempo de aulas de cada docente, o que significa que os professores poderão estar em greve em diferentes momentos do dia.


Últimas