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Governo de maioria absoluta enfrenta segunda moção de censura em nove meses

A primeira foi apresentada pelo Chega no início do verão, desta vez coube a iniciativa à IL. O chumbo é quase garantido, mas o recorde de mais saídas em apenas noves meses já ninguém retira ao Governo.

A moção de censura anunciada pela Iniciativa Liberal vai ser a segunda que o Governo enfrenta desde que iniciou funções, em 30 de março de 2022, depois de ter vencido as eleições legislativas com maioria absoluta.

Em 1 de julho, o líder do Chega, André Ventura, anunciou a primeira moção de censura ao Governo de António Costa, logo após a polémica que envolveu o agora ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, que na altura avançou com uma solução para o novo aeroporto que não estava concertada com o primeiro-ministro.

Tal como na primeira moção censura, o Governo conta com uma maioria absoluta de deputados do PS para o apoiar, votando a nova iniciativa à partida igualmente ao 'chumbo'.

O “ato politicamente mais grave”

André Ventura justificou em julho a moção de censura com um conjunto de situações que passavam pelo "caos absoluto na saúde", as opções do Governo face ao aumento dos preços dos combustíveis, culminando no "ato politicamente mais grave" envolvendo Pedro Nuno Santos.

O presidente do Chega disse na altura que retiraria a moção de censura se fossem demitidos os ministros Infraestruturas e da Saúde, cargo exercido à data por Marta Temido, que deixou o Governo no mês seguinte.

A iniciativa do Chega foi chumbada no parlamento, com votos contra do PS, PCP, BE, PAN e Livre, e abstenção de PSD e IL, tendo o proponente ficado isolado no voto a favor.

Cinco meses depois, a saída e a nova moção

Cerca de cinco meses depois, a moção de censura hoje anunciada pela Iniciativa Liberal também surge na sequência de um caso envolvendo o ex-ministro Pedro Nuno Santos, que se demitiu esta madrugada.

Nos motivos invocados pelo líder da IL, João Cotrim de Figueiredo, a iniciativa hoje anunciada prende-se com o facto de, em nove meses de Governo, ter havido "11 demissões, inúmeros casos, serviços públicos em autêntico colapso", como na saúde e na educação, e um "sistema de Segurança Social que não tem sustentabilidade garantida".

"É um Governo que, nestes nove meses, mostrou uma arrogância crescente, de uma maioria absoluta que se acha dona do poder absoluto, e também de um clima generalizado de incompetência e de irresponsabilidade no país", acusou.

Cotrim de Figueiredo rejeitou que a apresentação da moção de censura seja uma "manobra política", observando que já houve outros partidos - em referência ao Chega - que apresentaram esse tipo de iniciativas desde o início da legislatura e a IL não os acompanhou, nem quis "gastar cartuchos".

"Achamos que, neste momento, o assunto é suficientemente grave. Nove meses é tempo suficiente para perceber que este Governo não vai, de facto, resolver o problema dos portugueses e não tem sequer uma visão para o país, nem tem coragem nem vontade de fazer as reformas de fundo de que o país precisa", disse.

Entretanto, PSD, PCP e Livre já se vieram distanciar da moção de censura da IL, enquanto o Chega disse que "vai acompanhar" a iniciativa.

De acordo com o artigo 221.º do Regimento da Assembleia da República, "podem apresentar moções de censura ao Governo, sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse nacional nos termos do artigo 194.º da Constituição, um quarto dos deputados em efetividade de funções ou qualquer grupo parlamentar".

O Regimento estipula que o debate "inicia-se no terceiro dia parlamentar subsequente à apresentação da moção de censura, não pode exceder três dias e a ordem do dia tem como ponto único o debate da moção de censura".

É ainda estabelecido que o debate é aberto e encerrado pelo primeiro dos signatários da moção e o primeiro-ministro tem o direito de intervir imediatamente após e antes destas intervenções dos proponentes.

Este debate "é organizado pela Conferência de Líderes", sendo que a próxima reunião está agendada para dia 4 de janeiro.

"A moção de censura só se considera aprovada quando tiver obtido os votos da maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções. Se a moção de censura não for aprovada, os seus signatários não poderão apresentar outra durante a mesma sessão legislativa", lê-se no Regimento.

A 11.ª saída do Governo em 9 meses

O ministro das Infraestruturas não resistiu à mais recente polémica a envolver a TAP. No comunicado, divulgado ao final da noite desta quarta-feira, Pedro Nuno Santos refere que “face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno” do caso da TAP decidiu “assumir a responsabilidade política e apresentar a sua demissão”.

A demissão ocorreu cerca de 24 horas após o ministro das Finanças, Fernando Medina, ter demitido a secretária de Estado do Tesouro, menos de um mês depois de Alexandra Reis ter tomado posse e após quatro dias de polémica com a indemnização de 500 mil euros paga pela TAP, tutelada por Pedro Nuno Santos.

2 de maio - Sara Abrantes Guerreiro

Sara Abrantes Guerreiro apresentou a demissão do cargo de secretária de Estado da Igualdade e das Migrações cerca de um mês depois de tomar posse. Foi a primeira demissão do Executivo.

A ex-secretária de Estado renunciou ao cargo por motivos de saúde e foi substituída por Isabel Almeida Rodrigues que até então era deputada do PS pelo círculo eleitoral dos Açores.

30 de agosto - Marta Temido, António Lacerda Sales e Maria de Fátima Fonseca


A antiga ministra da Saúde Marta Temido, no cargo desde 2018, resistiu às vicissitudes do duro combate à pandemia de covid-19, mas a polémica sobre o fecho das urgências obstétricas acabaria por ditar a sua saída do Governo.

Gozava de grande popularidade no Executivo mas acabou por não resistir ao desgaste resultantes dos problemas gerados pelo encerramento das urgências. A agora deputada do PS apresentou a demissão ao primeiro-ministro a 30 de agosto “por entender que deixou de ter condições para se manter no cargo”. Também os secretários de Estado António Lacerda Sales e Maria de Fátima Fonseca acompanharam Marta Temido na saída do Governo.

10 de novembro - Miguel Alves

Miguel Alves demitiu-se do cargo de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro depois de ter sido acusado pelo Ministério Público (MP) do crime de prevaricação.

A acusação do MP relacionada com contratos públicos realizados quando era presidente da Câmara de Caminha, mas o ex-secretário de Estado está também sob investigação por causa de um adiantamento de 300 mil euros, que fez enquanto autarca, para pagar o arrendamento de um pavilhão multiusos ainda por construir.

O ex-governante tinha sido nomeado há apenas dois meses para um cargo que até então não estava previsto na estrutura do Governo, juntamente com os novos titulares da pasta da Saúde.

29 de novembro - João Neves e Rita Marques

O ministro da Economia, António Costa Silva, demitiu João Neves, secretário de Estado da Economia, e Rita Marques, secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços.

A demissão aconteceu após ambos os secretários de Estado terem discordado publicamente da posição do ministro da Economia sobre a descida transversal do IRC. Na altura, o primeiro-ministro aproveitou para fazer uma pequena remodelação governamental nos Ministérios da Economia e das Finanças que resultou na substituição de João Nuno Mendes, agora secretário de Estado das Finanças, por Alexandra Reis, até então presidente do conselho de administração da NAV Portugal - Navegação Aérea.

27 de dezembro - Alexandra Reis

Quando ainda não tinha completado um mês Governo, a agora ex-secretária de Estado do Tesouro foi demitida pelo ministro das Finanças para "preservar a autoridade política do Ministério das Finanças".

A decisão de Fernando Medina foi tomada após ter vindo a público que a governante demissionária recebeu, em fevereiro, uma indemnização de 500 mil euros da TAP por ter saído antecipadamente do cargo que ocupava como administradora executiva da companhia aérea. A indemnização foi solicitada pela própria Alexandra Reis na negociação da sua saída da TAP.

28 de dezembro - Pedro Nuno Santos e os dois secretários de Estado

No seguimento da polémica indemnização a Alexandra Reis, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, apresentou a demissão ao primeiro-ministro, 24 horas depois da ex-secretária de Estado. O chefe do Governo aceitou a demissão, agradecendo ao ministro a “dedicação e empenho”.

Na mesma altura, também o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes, apresentou o pedido de demissão no "seguimento das explicações dadas pela TAP" sobre a saída de Alexandra Reis, de acordo com o comunicado do Ministério das Infraestruturas e da Habitação.

Quem também sai por inerência do elenco governativo é Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação.

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