Opinião

Rui Costa pôs a cabeça na guilhotina

Opinião de João Rosado. A frase de boas-vindas ao novo treinador foi esculpida com uma lâmina duplamente afiada.
Gualter Fatia

João Rosado

Com cinco pontos perdidos em quatro jornadas, Rui Costa nem quis esperar pelo desenlace do Sporting-FC Porto para fazer a vontade a uma parte significativa da massa adepta, anunciando a saída de Roger Schmidt quando faltavam três horas para o clássico de Alvalade.

O sucessor de Luís Filipe Vieira, em conferência de Imprensa, confirmou o teor do comunicado previamente enviado à CMVM e não foi a primeira vez que deu a sensação de se sentir mais confortável junto dos jornalistas do que junto dos seus pares na estrutura.

Na linha do que tem sido habitual nos últimos meses, o líder da SAD ofereceu a imagem de um homem abandonado, escassamente protegido, sem ninguém próximo, sem ninguém capaz de dar o corpo às balas que procuram o alvo desenhado nas costas do antigo camisola 10.

Quem imaginou que uma instituição com a dimensão do Benfica conseguia defender-se de variadíssimas investidas com a divulgação de comunicados que roçaram a infantilidade só contribuiu para reforçar a suspeita de que no departamento de futebol a liderança passou a esconder-se numa peça de museu.

Talvez Roger Schmidt tenha percebido isso mais cedo do que o próprio Rui Costa e talvez tenha até avisado o superior hierárquico de que era uma questão de dias ou semanas até ambos caírem em simultâneo. A fazer fé no que foi transmitido para o exterior na hora da despedida, não custa acreditar que a relação forte entre os dois grandes responsáveis pelo título de 2022-23 tenha conduzido a uma decisão assente na impossibilidade de prescindir de múltiplos rostos na cabina ou no conselho de administração.

No fundo, o treinador acabou por expiar os pecados de outros, como se não bastassem aqueles que o alemão colecionou desde que se sagrou campeão nacional. Pressionado pelos resultados, o desacompanhado presidente puxou do chicote que diversos setores queriam que já tivesse agitado há largo tempo, mas continua sem desatar um nó complicadíssimo e que pode condená-lo daqui a um ano se... não antes de outubro de 2025.

O despedimento de Schmidt, oneroso sobretudo no capítulo financeiro, pode contribuir para recuperar a simbiose com as bancadas, pode dar alguma identidade ao desempenho da equipa e de certeza que não pode ser cura para todos os males que têm atrasado as águias na corrida com os rivais diretos.

Durante este período de pausa decretada pelos compromissos das seleções, quem tem o poder na Luz deveria aproveitar o momento para propor um distinto modelo de atuação e governação. Por muito sensível que Rui Costa seja aos assuntos que dizem respeito às quatro linhas e por muito corajoso que se revele na explicação que ciclicamente dá aos benfiquistas, é urgente aconselhá-lo melhor e poupá-lo a certas despesas de comunicação, sob pena de a vulgarização das suas palavras continuar a ser um problema interno e um foco de satisfação no exterior.

O mau é inimigo do ótimo

Até o FC Porto, que viu em abril um técnico cheio de história ocupar o trono de Jorge Nuno Pinto da Costa, percebeu que era obrigatório render-se a uma filosofia de distribuição de protagonismo, delegando em Jorge Costa e Andoni Zubizarreta funções que solidificam a cadeia de entendimento com Vítor Bruno. A era em que Sérgio Conceição falava apenas com Jorge Nuno e vice-versa terminou de maneira infeliz e vergou-se a um conceito de gestão que fornece indícios prometedores dentro de uma coerente reformulação dos recursos. Sem as possibilidades económicas dos concorrentes de Lisboa, os dragões conseguiram preencher as principais lacunas e redescobrir no Olival reforços do nível de Iván Jaime e Vasco Sousa. Os regressos de Fábio Vieira e Nehuén Perez a Portugal e as contratações dos jovens Deniz Gul, Samu Omorodion e Francisco Moura denunciam operações astutas e que à vista desarmada encaixam na perfeição no puzzle do ex-adjunto de Conceição.

Em contraste, nunca foi percetível o verdadeiro plano de mercado do Benfica e de que maneira um elenco que perdeu Morato, João Neves, João Mário, Rafa, David Neres e Marcos Leonardo pretendia apetrechar-se para fazer face às exigentes batalhas que tem pela frente na qualidade de... vice-campeão português. Deixando no fim da lista a contratação de um guarda-redes e mudando o estatuto ao dispensável Arthur Cabral, os encarnados enquadram a mudança técnica com um lote de futebolistas onde não se vislumbra um quarto central, sem esquecer que em Moreira de Cónegos o esforço de afirmação do jovem Tomás Araújo foi traído contra as previsões e elementar justiça.

No meio de tudo isto, Rui Costa sentiu-se em condições de afiançar que o “novo treinador encontrará um plantel de ótima qualidade”, o que remete para uma confiança cega nos negócios que tinha acabado de despachar e que fizeram de repente pousar em Lisboa os internacionais Zeki Amdouni e Kerem Aktürkoğlu, adquiridos para oferecer soluções de excelência nos corredores laterais e central.

Ao dar esta classificação de cinco estrelas nas vésperas de proclamar quem vai chefiar o balneário, o mítico Maestro está a dizer que qualquer coisa que se alcance abaixo do primeiro lugar representará um fracasso. No pós-Schmidt, a frase de boas-vindas não podia ter uma lâmina mais afiada e constitui repetida prova de que no gabinete de crise as cadeiras reservadas aos conselheiros são espaços fantasmas.

Se voltar a terminar a época em segundo, o presidente que em 2021 teve 84,4% dos votos ficará a um milímetro de perder as eleições, ou seja, pôs a própria cabeça na guilhotina. O que era perfeitamente escusado. Bastava-lhe no sábado ter admitido que os cinco pontos perdidos em quatro jornadas poderiam significar, quatro horas depois em Alvalade... cinco pontos de distância para o topo.

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