E tem explicação. O PCP não gostou do crescimento e ultrapassagem pela esquerda do Bloco. Percebeu que, além dos méritos de Catarina Martins e Mariana Mortágua, o BE ganhou votos pela abertura (mesmo que aparente) a um compromisso com o PS. A verdade é que a ideia era do Livre/Tempo de Avançar, mas foi o Bloco que a soube e pôde cavalgar. Acresce que o Presidente da República e o PSD/CDS estão empenhados em seduzir o PS para tornar possível a continuidade da coligação no poder. Cavaco Silva tem um único objectivo: impedir que a maioria aritmética de esquerda tenha qualquer viabilidade política, seja qual for a configuração que assuma.
A posição do PCP valoriza o papel do PS no espectro político. E teve já o condão de deixar a pensar o BE, que adiou o encontro com o PS para depois da reunião entre PS, PSD e CDS. É verdade que António Costa disse que não se reconhecia em maiorias negativas. Mas o que o PCP e porventura o BE lhe dizem é que poderão ser uma maioria política. Pode continuar a ser pouco crível ou pouco credível. Mas as tais "convergências possíveis", de que falava Costa, podem permitir um governo minoritário do PS de geometria política variável. É isto é relevante quando se olha para o futuro próximo. A ideia de que há uma espécie de direito divino a governar sem que exista sustentação parlamentar suficiente é delirante...
Há duas questões que importa esclarecer. A primeira é que não deve rejeitar-se à partida uma solução governativa encabeçada pelo PS. Não é porque tenham coerência os programas do PS, BE e PCP. Não têm. Não é porque se vislumbre um acordo parlamentar entre os 3 partidos. Mas por uma questão de realismo. Podemos ser confrontados com uma realidade que não deixa alternativa: um governo do PS pode ser o único que vingue na Assembleia da República, mesmo que seja de duração muito duvidosa. A verosimilhança deste cenário é o bastante para fazer pensar a coligação à direita. Ou se aproxima das posições do PSD ou pode ver gorar-se a possibilidade de continuar a ser governo. Costa não quer ir para o governo de Passos e Portas. Mas, para o viabilizar, quererá tornar visível que há uma viragem bastante na governação.
Em qualquer caso, dificilmente o Presidente recuará na intenção de dar posse a um governo da coligação. Se Passos/Portas forem rejeitados, só Costa pode ser chamado a idêntico exercício. E aí até pode haver governo. Porém, é pouco provável. O que é certo é que o PS, o grande derrotado nestas eleições, se pode tornar o centro de gravidade da política portuguesa. Ser partido charneira tem muitos riscos. Um deles deixou marcas nestas eleições: a ambivalência. Em que campo se quer colocar o PS? No programa liberal de Mário Centeno ou no discurso à esquerda de António Costa? Mas a charneira tem também oportunidades. É um terreno político central, se houver poder de iniciativa e capacidade de liderar a mudança.
Cavaco Silva convenceu-se de que tem poderes para colocar baias ao futuro governo. Ele que não é responsável politicamente pelo governo. Ele que tem poderes diminuídos e que precisará do PS para que os seus últimos meses no poder não sejam um sobressalto para si e para o país. Tenho dúvidas sobre se o PS se pode dar ao luxo de esticar muito a corda com a coligação. Tenho dúvidas sobre se a cumplicidade à esquerda não lhe trará mais prejuízos do que benefícios. A única certeza é que, de facto, apesar da derrota de domingo, o PS se tornou o centro de gravidade da política portuguesa.