Desde o início da crise, a Reserva Federal americana gastou o equivalente a 25% do PIB a comprar dívida, o Banco de Inglaterra 26%, o do Japão 36% e o Banco Central Europeu... 3%. Até este liberal, aos olhos europeus, percebe a necessidade de políticas de estímulo à economia, de maior liquidez no sistema. Ray Dalio confessa-se «assustado» com as elevadissimas taxas de desemprego jovem e com as tensões sociais que se lhe associam. Preocupações que se percebem bem quando olhamos para o que se passa na Grécia.
Um país com 300 mil famílias no limiar da pobreza, mais de 50% de desemprego jovem, uma contração de 25% do PIB e uma dívida de 300 mil milhões de euros. Já recebeu resgates no valor de 226 mil milhões e beneficiou de perdões, mas ainda assim a dívida pública subiu de 130% para 175% do PIB, um valor insustentável por menos infantis que sejam os argumentos...
O resultado das eleições gregas espelha a rejeição do caminho percorrido. Mais do que a afirmação de uma qualquer alternativa, é a expressão de uma revolta inequívoca. Uma revolta pelo voto, que confere à soberania um peso que deve fazer pensar a Europa, sobretudo a Europa que não perdeu a racionalidade política e que tem memória histórica. Racionalidade e responsabilidade é o que se pede à Europa e à Grécia. A utilidade da eleição grega é a de confrontar a Europa consigo própria: quer ter futuro junta ou continua a trabalhar para a fragmentação?
A ideia de que o problema europeu está circunscrito aos gregos, tidos por corruptos e calaceiros, e áqueles que se definem por não serem gregos, é ilusória. Se assim não fosse, a economia estaria a crescer, e não está. Estagnação, ou seja, crescimento à volta dos 0%. E inflação negativa. É assim que está a Europa. O Norte teme a hiperinflação quando temos deflação. Teme pagar a factura do BCE quando este desatar a comprar dívida soberana, sabendo que assim não será, pela própria natureza do mecanismo monetário, o quantitative easing. Temores economicamente injustificados, ainda assim pretextos para políticas morais que favorecem hegemonias, semeiam pobreza e radicalismos e toleram autoritarismos.
A Grécia vai ser chamada nas próximas semanas a uma demonstração de responsabilidade inequívoca. Mas também deve obrigar a Europa a tratar a Grécia com respeito. Um acordo com a Grécia será uma boa notícia para a Europa. A tentação de meter os gregos na ordem é uma infantilidade que nos fará pagar um preço elevado. Incluindo a Portugal, que é mais grego do que alguns querem fazer querer...