Olhares pelo Mundo

China lança ambicioso projeto para criar modelo digital do ser humano

O megaprojeto científico promete desvendar os segredos da vida, das doenças e do envelhecimento para proporcionar diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes.

Catarina Solano de Almeida

Ana Isabel Pinto

Cientistas chineses lançaram um ambicioso projeto de "linhagem celular humana" na cidade de Guangzhou, na província de Guangdong, no sul da China. O objetivo é decifrar o código do desenvolvimento humano, das doenças e do processo de envelhecimento, através da criação de um modelo digital do corpo humano para testes de medicamentos e tratamentos personalizados.

Este projeto, denominado Human Cell Lineage Atlas Facility, é liderado pelo Instituto de Biomedicina e Saúde de Guangzhou e pela Academia Chinesa de Ciências. Tem como objetivo fazer uma mapa de toda a evolução espaço-temporal das células, desenvolver um modelo de inteligência artificial (IA) para células digitais e criar um ser humano fisiológico digital.

O que é a linhagem celular?

A célula é a unidade fundamental da vida e o corpo humano é constituído por aproximadamente 40 biliões. Todas elas derivam de um único óvulo fertilizado, passando por processos como proliferação, diferenciação e envelhecimento ao longo da vida. A trajetória completa da evolução celular é designada por linhagem celular.

“Para digitalizar um corpo humano, temos de examinar todas as células, digitalizar cada uma delas e caracterizá-las para enfrentar sistematicamente o desafio científico de digitalizar a vida”, explico Sun Fei, diretor do projeto, à televisão chinesa CCTV.

Como será feita a digitalização da vida?

A instalação integra tecnologias de ponta para criar um modelo de IA de células digitais, que pode ser comparado à construção de uma árvore genealógica da vida celular. Assim, os cientistas poderão traçar claramente o percurso de cada célula, desde a sua origem até ao estado atual.

“O foco principal do projeto de linhagens celulares é estudar as transformações das células ao longo dos processos de nascimento, envelhecimento, doença e morte. Podemos pensar nas células como átomos no mundo material. Se compreendermos as mudanças nos átomos, saberemos como funciona o mundo material. Da mesma forma, se compreendermos as mudanças nas células, saberemos como funciona a vida”, afirma Chen Jiekai, vice-diretor do projeto.

O impacto no desenvolvimento de novos medicamentos

Os dados de linhagem celular recolhidos permitirão criar humanos fisiológicos digitais, um conceito semelhante ao de um gémeo digital do paciente. Isto facilitará a realização de testes de medicamentos e tratamentos de forma mais precisa e personalizada.

Atualmente, o desenvolvimento de medicamentos inovadores enfrenta três desafios principais: prazos prolongados, custos elevados e baixas taxas de sucesso clínico. A criação de um novo fármaco demora, em média, 10 anos e custa cerca de 2,6 mil milhões de dólares, sendo que a taxa de sucesso clínico é inferior a 10%.

Um dos problemas reside no uso de modelos animais, que não conseguem replicar com precisão as respostas fisiológicas humanas. A nova tecnologia permitirá construir um modelo humano fisiológico digital de alta precisão, simulando os efeitos dos tratamentos antes de serem administrados aos pacientes.

Doença e medicina digitais

Com esta abordagem, será possível simular doenças num humano fisiológico digital, conceito designado por doença digital, e testar terapias num ambiente virtual antes de aplicá-las na realidade.

“Podemos adoecer o ser humano fisiológico digital e administrar-lhe medicamentos digitais. Isso significa que a descoberta de novos alvos terapêuticos e a análise farmacológica podem ser conduzidas num ambiente digital, acelerando significativamente o processo de desenvolvimento biomédico”, conclui Sun Fei.

Este projeto promete revolucionar a medicina, proporcionando diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes, ao mesmo tempo que reduz os riscos e custos associados ao desenvolvimento de novos medicamentos.

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