No que já está a ser considerado um terramoto político em França, o Presidente Emmanuel Macron dissolveu no domingo o Parlamento e anunciou eleições legislativas antecipadas depois da esmagadora vitória da extrema-direita francesa nas europeias.
No domingo, os franceses deram vitória ao partido de Marine Le Pen nas eleições para o Parlamento Europeu. O União Nacional conseguiu 31,3% dos votos, enquanto a coligação do partido de Macron se ficou pelos 14,6%.
O resultado ‘obrigou’ Macron a lançar o país para eleições antecipadas, marcadas para 30 de junho e 7 de julho, primeira e segunda voltas, respetivamente.
“Não posso fingir que nada está a acontecer. O crescimento dos nacionalistas é um perigo para a nossa nação (...) Esta decisão é séria e pesada, mas é sobretudo um ato de confiança. (...) Deixemos que o povo soberano se pronuncie”, disse Macron no domingo.
E se a coligação de Macron perder?
O resultado nas europeias foi o segundo revés eleitoral para Macron ‘às mãos’ do União Nacional, depois de, em 2022, o seu partido ter perdido a maioria absoluta e o partido de Le Pen ter conseguido o seu melhor resultado de sempre, tornando-se a principal força de oposição no Parlamento.
Mas pode não ficar por aqui. O descontentamento dos eleitores em questões como a imigração, o custo de vida e a criminalidade deverá marcar também as legislativas antecipadas. Então e se Macron perder?
Para conseguir uma maioria absoluta é preciso conquistar 289 lugares no Parlamento francês. O partido que vencer as legislativas será obrigado a nomear um primeiro-ministro, responsável por escolher os ministros do seu gabinete. Seguir-se-ia uma situação a que os franceses chamam de “coabitação”.
O que é a “coabitação”?
Desde 1958, França já viveu três períodos de “coabitação” - quando Presidente e primeiro-ministro são de partidos políticos diferentes.
Neste cenário, o Presidente mantém o papel principal na Defesa, enquanto comandante-supremo, e na política externa - a Constituição diz que é ele quem negoceia os tratados internacionais - mas perderia o poder de definir a política interna.
O período de “coabitação” mais ‘recente’ foi em 1997, quando o Presidente Jacques Chirac (de centro-direita) dissolveu o Parlamento, acreditando que o seu partido conseguiria uma maioria mais forte nas legislativas antecipadas, mas acabou por perder para a coligação de esquerda liderada pelo Partido Socialista francês.
Como seria uma “coabitação” com o partido de Le Pen?
Jordan Bardella, cabeça de lista do União Nacional às europeias e recém-anunciado candidato ao cargo de primeiro-ministro nas eleições antecipadas, poderá vir a liderar um eventual período de coabitação com Macron até às presidenciais de 2027, em caso de vitória.
Tanto Bardella como Le Pen - ambos líderes do União Nacional - asseguraram no domingo que o partido está pronto para governar França se os eleitores assim o entenderem.
Num cenário de uma maioria do União Nacional no Parlamento, o período de coabitação com Macron poderia ser atribulado. É que embora o Presidente mantenha os poderes em matéria de Defesa, o primeiro-ministro e o Governo têm uma palavra a dizer, o que pode deixar margem para fortes divisões. Sobretudo no que diz respeito à União Europeia.
Enquanto Macron se posiciona como europeísta, Le Pen e o seu partido querem reduzir as contribuições francesas para o orçamento comunitário, algo que tem sido interpretado como uma possível intenção de “desmantelar” o projeto europeu.
E se os anteriores períodos de coabitação em França levantaram tensões em certas matérias, a coabitação entre um Presidente pró-europeu e um partido nacionalista eurocético seria entrar num território desconhecido.
Quão provável é Bardella vencer?
Com 28 anos, filho de uma imigrante italiana, o agora candidato a primeiro-ministro pelo União Nacional tornou-se um fenómeno da extrema-direita entre os mais jovens. É através das redes sociais que conquista o eleitorado mais novo e o número de seguidores indica isso mesmo: só no TikTok são 1,5 milhões.
Na primeira sondagem publicada desde o anúncio de legislativas antecipadas, com dados para o Challenges, o M6 e o RTL, o partido anti-imigração e eurocético União Nacional conquista entre 235 e 265 lugares no Parlamento, um grande salto dos atuais 88, mas aquém dos 289 necessários para uma maioria absoluta.
A coligação de Macron pode perder metade dos lugares que ocupa atualmente, passando de 250 para 125 a 155.
Não há certezas de que, mesmo vencendo eleições, Bartella possa liderar um Governo, com ou sem uma aliança com outros partidos. Outros cenários incluem uma ampla coligação de partidos tradicionais ou um Parlamento em suspenso.
Mas a decisão de Macron de convocar eleições antecipadas oferece à extrema-direita uma hipótese real de chegar ao poder.
Com Reuters