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Lei que motiva protestos na Geórgia "rotula pessoas e ONG" para controlar interesses estrangeiros

SIC falou com uma portuguesa que vive na antiga República soviética há quatro anos.

GIORGI ARJEVANIDZE

Luísa Correia

Paulo Tavares

Leonor Rothes apaixonou-se pelo país depois de participar num projeto financiado pela União Europeia em Tbilisi. Decidiu mudar-se de vez e fundar a Global Shapers Kutaisi, uma iniciativa do Fórum Económico Mundial.

"Obviamente dependemos de fundos e bolsas estrangeiros, nós e as muitas organizações não-governamentais que existem aqui pelas oportunidades de desenvolvimento que este país tem", explica.

"Eu vejo uma Geórgia europeia, com muito potencial. Os meus pais quando vieram cá disseram que parecia Portugal há 40 anos. Por isso entristece-me este tipo de leis, pela possibilidade de nos afastar da União Europeia".

Os avisos ao país que recebeu em dezembro o Estatuto de País Candidato à UE já vieram de Bruxelas. A lei dos "agentes estrangeiros" ou das "entidades canal de interesse para uma potência estrangeira" viola os princípios da União Europeia. A oposição Georgiana chama-lhe "lei russa" pelas comparações possíveis com o método de Vladimir Putin para identificar opositores na Rússia.

Em março de 2023, deu-se a primeira tentativa de implementar esta lei. Uma semana de protestos, na altura, forçou o recuo. Agora, o Governo insiste e a proposta voltou a ser votada no Parlamento, tendo sido aprovada em 67 segundos.

A lei dita que organizações que recebam pelo menos 20% dos fundos de fontes estrangeiras sejam formalmente identificadas pelo Estado, tal como as pessoas envolvidas nos trabalhos dessas organizações. Será o caso da organização de Leonor e das 20 pessoas envolvidas diretamente no trabalho da Global Shapers Kutaisi. Os fundos vêm da União Europeia e financiam projetos de educação não formal.

"Estou relativamente tranquila, porque sou portuguesa e vivo aqui livremente. Alguma coisa, volto para Portugal. Mas as pessoas com quem trabalho não. Dizem que a lei é para que haja mais transparência, mas no fundo é para rotular, para pôr as pessoas numa espécie de lista negra e, no futuro, impedirem-nos de votar, por exemplo, como já aconteceu na Bielorrússia", recorda. "São os meus amigos, família que criei aqui, é assustador".

Identificar os "agentes estrangeiros" ou "organizações" que sejam "canal de interesse para uma potência estrangeira" é uma vontade do partido que está no Governo há oito anos, e a suspeição começa a chegar ao dia a dia, mesmo que de forma leve. "Como eu falo georgiano, espanhol, inglês, português, dizem-me "tu és agente" em tom de brincadeira. Mas... é mesmo?", pergunta.

Um dos exemplos para organizações de teor político, é a exclusão das missões de observação eleitoral, que poderiam eternizar partidos e pessoas no Poder, como acontece na vizinha Rússia. "Sabe-se das ligações do oligarca georgiano Bidzina Ivanishvili que fundou o partido Georgian Dream (que está no poder) à Rússia e a Putin", e sublinha que 20% da Geórgia está hoje ocupada por Moscovo, numa fronteira pouco definida e com avanços constantes.

Leonor foi uma das dezenas de milhares de pessoas que estiveram nas ruas de Tbilisi, apesar da chuva deste fim de semana. As bandeiras da União Europeia mostram o caminho que os manifestantes querem que o país percorra: aproximar-se do Ocidente, afastar-se da influência Russa e, também por isso, as bandeiras da Ucrânia têm sido também levadas para as ruas. É evidente o paralelismo com os protestos em Kiev, na Ucrânia, há mais de dez anos. A revolução de Maidan, pelos "valores europeus".

As próximas eleições legislativas na Geórgia acontecem em outubro.

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