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Gatos trazem amor e empatia à prisão (e diminuem reincidência criminal)

São vários os estudos que demonstram múltiplos benefícios resultantes do contacto com animais, mas os reclusos desta prisão chilena falam da sua experiência na primeira pessoa.

Geraint Rowland Photography

SIC Notícias

No maior estabelecimento prisional da cidade de Santiago e uma das mais antigas prisões do Chile, foram os felinos que trouxeram equilíbrio e redução dos níveis de stress dos prisioneiros, mas, mais do que isso, estão a contribuir para uma redução das probabilidades de reincidências criminais.

Há décadas que os habitantes de quatro patas vagueiam pela prisão. Apanham banhos de sol no pátio, escalam as grades até ao telhado de zinco, ou passeiam-se pelas celas, cada uma com 10 prisioneiros.

"Tu dicas-te ao gato, cuidas dele, ficas de olho nele e dás-lhe amor. A sensação que surge disso… não há nada de errado”, conta Denys Carmona Rojas, de 57 anos, ao The New York Times.

Denys Rojas cumpre oito anos sob acusação de porte de arma.

Alguns detidos dizem que os gatos foram trazidos para controlar as pragas de roedores, outros que foram os prisioneiros que começaram atrair felinos para dentro da “Pen”, nome pelo qual é conhecida esta penitenciária com 180 anos. O que todas as pessoas da área concordam é que estes animais chegaram primeiro.

Segundo a reportagem publicada no The New York Times, para os que vivem e trabalham nesta prisão são estes animais que estão a trazer um ambiente mais caloroso a um sítio vulgarmente hostil.

Companheirismo e partilha

Com o passar dos anos estes felinos residentes foram-se multiplicando. Os presos adotaram informalmente os gatos, trabalham em conjunto para cuidar deles, dividem a comida e as camas e, em alguns casos, construíram abrigos para eles. Em retorno, estes animais trouxeram uma certeza: mais do que zelar por manter a prisão distante de pragas, os gatos trouxeram algo inestimável: amor aos dias destes presidiários.

“Eles são nossos companheiros”, diz Carlos Nuñez, mais um dos prisioneiros, enquanto mostra uma gata malhada de dois anos, a quem chamou de “Feita” (ou “Feia”, em português) atrás das grades da prisão.

Ao cuidar de vários gatos durante a sentença de 14 anos por roubo a domicílios, Carlos diz ter descoberto a essência especial destes animais, em comparação com um colega de cela ou até mesmo um cão.

Chillona, ​​uma gata preta descontraída, tornou-se o centro das atenções de uma cela de nove homens abarrotada de beliches.

“Às vezes ficas deprimido e é como se ela [Chillona] sentisse que estás um pouco em baixo. Aproxima-se e cola-se a ti, a roçar o focinho dela na tua cara”, ouve-se de mais um dos reclusos. Reinaldo Rodriguez de 48 anos deverá ficar preso até 2031, também por condenação por porte de arma de fogo.

“Aos poucos, ela aproximava-se de nós, mas agora é ela a dona deste quarto. Ela é a chefe", dizem vários companheiros de cela de Reinaldo, que afirmam que a cama dele é a favorita de Chillona.

Programas unem animais e reclusos

A união de condenados e animais não é uma novidade, havendo já registos durante a Segunda Guerra Mundial de prisioneiros de guerra alemães, em New Hampshire (EUA), que adotaram animais selvagens como animais de estimação, incluindo, segundo um relato, uma cria de urso.

Os programas formais que relacionavam prisioneiros e animais tornaram-se mais comuns no final da década de 1970 e, após resultados consistentemente positivos, expandiram-se por todo o mundo, sobretudo em países como Japão, Países Baixos e Brasil.

Foi demonstrado repetidamente que pôr em contacto presos com cães leva a “uma diminuição da reincidência, melhora da empatia, melhora das habilidades sociais e um relacionamento mais seguro e positivo entre presos e funcionários penitenciários”, explica a investigadora Beatriz Villafaina-Domínguez, que em Espanha analisou 20 diferentes estudos de tais programas.

Os cães têm sido o animal mais recorrentemente escolhido para entrar nas prisões, seguidos dos cavalos. Na maioria dos programas os animais são trazidos aos reclusos, ou vice-versa. Neste caso de Santiago do Chile, porém, deu-se uma ligação orgânica entre os reclusos e os gatos vadios que vivem com eles.

Desde 2016 - altura em que as autoridades da prisão deram permissão para que voluntários cuidassem dos gatos - uma organização chilena chamada Fundação Felinnos tem trabalhado com a Human Society International para recolher todos os gatos de modo a tratá-los, esterilizá-los e castrá-los, tendo conseguido já alcançar quase todos os animais

O sucesso do programa deve-se em parte aos reclusos, defende uma das assistentes sociais da prisão. De acordo com Carla Contreras Sandoval, os presos recolhem gatos que precisam de cuidados e os levam aos voluntários.

Ao pegar numa caixa com uma ninhada de gatos recém-nascidos, Denys Carmona Rojas conta que ajudou a criar muitos gatinhos na sua cela, particularizando uma história em que cuidou de uma ninhada alimentando-a diariamente a leite, depois da progenitora ter morrido durante o parto.

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