- Foram mortos pelo menos 11 470 palestinianos na Faixa de Gaza, desde o início da guerra, há seis semanas. Isto, claro, de acordo com os dados do Hamas. A minha pergunta é simples: quando é que esta guerra vai acabar?
Antes de mais, disse e com razão, que esses dados foram fornecidos pelo Hamas, e há que recordar que estamos a lutar contra uma organização terrorista que deu essa informação a partir de Gaza.
Em segundo lugar, como sabe, a 7 de outubro, Israel viu-se numa guerra que não foi iniciada por nós.
Não quisemos iniciar esta guerra, mas fomos arrastados para esta guerra por uma organização terrorista que enviou mais de três mil terroristas para as nossas casas, as nossas cidades e para o festival de música, para assassinar de uma forma tão brutal mais de 1400 israelitas e raptando 239 crianças, bebés, mulheres e homens para a Faixa de Gaza, onde estão como reféns.
- Então, não sabe quando a guerra acabará?
Entrámos nesta guerra para atingir três objetivos: para voltar a dar segurança ao povo de Israel, para eliminar esta organização terrorista - que é uma grande ameaça à segurança de Israel e uma grande ameaça à vida dos palestinianos também - e para trazer de volta os reféns.
Quando alcançarmos esses três objetivos, a guerra acabará.
- A guerra está a decorrer na Faixa de Gaza e os maiores ataques recentes que Israel efetuou perante o mundo inteiro foram no hospital de Al-Shifa. Um médico desse hospital disse à agência noticiosa Reuters que eles, os israelitas, não tinham encontrado nada. França manifesta graves preocupações sobre a operação de Israel em Al-Shifa e afirma que há "uma necessidade absoluta “de que Israel cumpra as leis humanitárias internacionais, que preveja a proteção de infraestruturas hospitalares.” O porta-voz das IDF disse que esta foi uma operação precisa. Há imagens que mostram o contrário. Pode, por favor, dar-nos mais detalhes para entendermos o vosso conceito de precisão militar?
Sim, referiu várias coisas. Vou tentar responder uma a uma.
- Pode ir diretamente à minha pergunta.
Assim farei. Antes de mais, Israel está empenhada em lutar de acordo com o Direito internacional. Isso nem está em causa. Somos um país democrático, cumprimos as leis e estamos empenhados em lutar de acordo com o Direito internacional.
De acordo com o Direito internacional, se entrarmos em pormenores, não é permitido atacar hospitais, isso é verdade. A menos que esse hospital seja usado por militantes. E era o caso no hospital de Al-Shifa.
Dito isto, nós não atacámos o hospital de Al-Shifa. Aproximámo-nos dele, conseguimos abrir uma espécie de corredor humanitário para os doentes
e para os funcionários que queriam sair do hospital. E depois entrámos, para tentarmos encontrar e travar todos os militantes do Hamas e a base do Hamas que sabemos que está nos túneis do hospital de Al-Shifa.
Eles usam o hospital como base terrorista e nós sabíamos isso. Não é só Israel que o diz, mas também os serviços de informação dos Estados Unidos. Têm dito a mesma coisa. Foi por isso que entrámos no hospital.
Encontrámos algumas dessas coisas e continuamos à procura, mas não estamos a bombardear o hospital. Estamos a operar no interior do hospital, que continua a funcionar.
- Continua a funcionar, mas quase sem condições. Há recém-nascidos que ainda não morreram, mas os outros doentes não têm tido os tratamentos necessários como deveriam ter. Deixe-me passar a outra pergunta. Israel lançou panfletos, mais uma vez, aos palestinianos que vivem na zona de Khan Younis, quase no sul da Faixa de Gaza. Pode dar-nos provas de que o Hamas tem grandes infraestruturas ali, que faça com que vocês tenham de atacá-los ali e, mais uma vez, empurrar as pessoas ainda mais para sul sem quaisquer condições mínimas de sobrevivência?
Quando a guerra começou, criámos uma zona segura para os palestinianos se mudarem enquanto tentávamos combater os terroristas do Hamas. Fizemo-lo no norte e vamos um pouco para sul. Agora, estamos mais concentrados no norte de Gaza, e não no sul de Gaza. Todas essas pessoas, quase 90% das pessoas no norte de Gaza mudaram-se para esta zona segura.
- Chama-lhe zona segura, mas ela é atacada por Israel.
A zona segura, não.
- A que zona segura se refere?
No sudoeste de Gaza, para onde se mudou a maioria da população do norte de Gaza.
- Perto da passagem de Kerem Shalom?
Não é perto de Kerem Shalom, é mais junto ao Mar Mediterrâneo. É a área da zona segura.
- Então, Rafah?
A maior parte dos camiões de ajuda humanitária… Como sabe, deixamos entrar mais de 150 camiões de ajuda humanitária, todos os dias, na Faixa de Gaza, para dar assistência à população. É o que temos tentado fazer, minimizar o sofrimento dos civis que não estão envolvidos nesta guerra, para que não sejam atingidos. É muito difícil, é uma zona muito povoada. E isso demora algum tempo.
A sua primeira pergunta foi quanto tempo iria durar. É por isso que é moroso. Nós entendemos a complexidade de lutar numa zona tão povoada e temos de garantir que o fazemos de uma forma precisa, atacando apenas o Hamas, que usa a população como escudo humano, sem minimizar o sofrimento…
- Embaixador, já o disse várias vezes, mas pedi-lhe provas de que o Hamas tenha uma grande infraestrutura que justifique os vossos ataques na zona de Khan Younis.
Temos várias provas e tentamos...
- Pode mostrá-las?
Tentamos mostrá-las. Todos os dias, o porta-voz das IDF apresenta provas que fornecemos todos os dias. Não tenho as provas comigo para lhe mostrar, mas é algo que continuaremos a fazer e a mostrar.
E incentivo as pessoas que estiverem interessadas a continuar a seguir as provas que nós fornecemos do hospital de Al-Shifa e de outros locais, porque, tal como eu disse, trabalhamos de forma muito precisa com as informações secretas que temos, para travarmos a ação dos terroristas do Hamas.
- Vamos falar das posições e reações diplomáticas de Israel ou reações anti-diplomáticas, como muitos lhes chamaram. O embaixador de Israel, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, várias pessoas, incluindo o senhor, se queixaram de António Guterres, o Secretário-Geral das Nações Unidas. O senhor foi criticado por muitas pessoas, antes de ter exigido a destituição de António Guterres. A vossa relação tornou-se muito delicada, a relação de Israel com Portugal, devido às suas declarações e de muitos diplomatas israelitas?
Não vejo as ligações. António Guterres é o Secretário-Geral das Nações Unidas. Quanto a ser português, tudo bem. Não o ataquei por ser português. Atacámo-lo por causa das declarações dele, enquanto Secretário-Geral da ONU. Foi por isso que o atacámos. Não foi por ser português.
A nossa relação...
- Associo isso à questão de Portugal ter votado a favor da resolução para que houvesse tréguas humanitárias.
A questão da resolução que foi a votação na ONU... No dia 7 de outubro, aconteceu o ataque mais horrendo a Israel. Vimo-nos numa situação inédita para nós. Pessoas chacinadas, mulheres violadas, bebés…
- Vamos falar da resolução, por favor.
Sim, mas poucos dias após este dia horrendo em Israel, poucos dias depois, a ONU decidiu aprovar uma resolução. E nessa resolução, o Hamas não é mencionado. Não se condena o ataque terrorista.
- Porque tinham de mencionar o Hamas numa resolução sobre tréguas humanitárias?
Porque a resolução é sobre a guerra. Se quer falar sobre a assistência humanitária que Israel tem de dar, tudo bem, mas qual é o contexto? Porque é que Israel entrou nessa guerra? Foi o que faltou na resolução.
- Foi o contexto que António Guterres deu que provocou a vossa reação?
O contexto da resolução para explicar que Israel foi combater a organização terrorista do Hamas. Porque entrámos nessa guerra? Porque fomos atacados pelo Hamas. Porque eles mataram1400 pessoas, porque têm 239 reféns e a ONU não apelou à libertação deles nessa resolução.
- Sr. Embaixador, fez um tweet que vou citar: “Lamento, mas quando votam ao lado do Irão, Síria, Rússia, Coreia do Norte e não ao lado dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão e Alemanha, algo não faz sentido na vossa posição.” O seu tweet refere-se a Portugal. Desses países, só os EUA votaram contra essa resolução, num total de apenas 14 países. Portugal votou ao lado de França, Espanha, Bélgica e Irlanda. Pergunto-lhe mais uma vez: a relação diplomática de Israel com Portugal tornou-se mais delicada após tudo isto? E não tem receia que, ao terem este tipo de reações, reações de muita indignação contra quem discorda de Israel, isso prejudique a vossa posição a nível internacional?
As relações entre Israel e Portugal são bastante boas e continuarão assim. Desde o dia 7 de outubro, as declarações oficiais de Portugal, do Presidente ao primeiro-ministro e ao ministro dos Negócios Estrangeiros, dizem o mesmo, que Israel tem o direito de se defender, que o Hamas é uma organização terrorista e apelaram à libertação dos reféns.
E esses são três elementos muito importantes e continuarei a dizer isto. Penso que é muito importante referir isto e é por isso que a relação entre Israel e Portugal vai manter-se, mesmo que discordemos sobre a votação na ONU.
Os amigos podem discordar de vez em quando e não há problema. Quanto à posição de Israel na ONU, nós temos um problema com a ONU. Não é segredo que a ONU é parcial contra Israel, no fim de contas…
- Porque diz isso?
Eu digo-lhe porquê. Recue dois anos. Sabe quantas resoluções a ONU aprovou há dois anos? Aprovou cerca de...
- Quantas resoluções da ONU foram cumpridas por Israel?
Espere, deixe-me terminar a frase. Há dois anos, quando não havia guerra, o nosso país estava a progredir na direção da paz. Nessa altura, a ONU aprovou cerca de 22 resoluções, se não me engano, e isso foi ainda durante a guerra entre a Ucrânia e a Rússia.
Aprovou 22 resoluções, das quais 17 são contra Israel. Dezassete, para um país de nove milhões de pessoas.
- Então, o problema é a ONU, e não Israel?
Não estou a dizer que não haja problemas em Israel. Acredite, somos um país que sabe criticar-se a si mesmo e estamos sempre a ouvir críticas.
- Disse que são uma democracia. Há eleições livres, é verdade. Em fevereiro deste ano, as forças israelitas demoliram a casa de um palestiniano por trás de um tiroteio mortal na Cisjordânia ocupada, ao abrigo da lei israelita. Israel diz que as demolições de casas são para dissuadir outros atacantes, mas os críticos dizem que é uma punição coletiva. Destruir as casas de quem foi condenado pelo sistema judicial israelita é típico de uma democracia?
Se tiver outras ideias para impedir que um terrorista não ataque cidadãos, gostaríamos de ouvir. Estamos recetivos a ouvir ideias de quem possa ajudar-nos.
- E apenas a prisão?
Vimos que isso não funcionou. E temos de encontrar formas...
- O que pensam alcançar, destruindo a casa de alguém que foi condenado por terrorismo?
Temos de encontrar formas de dissuadir os terroristas. O senhor vive em Portugal, tem muita sorte. Espero que continue a viver aqui, num país que nunca teve de enfrentar estes atos terroristas.
É o que nós enfrentamos. Temos de enfrentar o terrorismo, temos de garantir que os terroristas saem de cena, para que israelitas e palestinianos voltem a falar em viver em conjunto, lado a lado.
- Não pensa que estes episódios impedem que Israel tenha uma relação de coexistência com os palestinianos?
Não, porque acho que quando os terroristas saírem de cena, também será melhor para os próprios palestinianos.
- Mas eles já saíram de cena, porque foram condenados estão presos. Porque lhes destroem as casas?
Outra nota, mais uma vez. Destruir a casa de um terrorista é outra forma de tentar travar o terrorismo. E se assim eu conseguir ser bem-sucedido, e tudo isso é feito de acordo com o nosso sistema judicial… Se conseguir evitar outro ataque terrorista e evitar a morte de um israelita ou palestiniano - tanto faz - fico feliz por fazê-lo.
- Sr. Embaixador, tenho uma pergunta em relação ao futuro, ao futuro próximo… Calculo que não tenha a resposta indicada nem definitiva para esta pergunta, mas é simples. Israel vai querer o controlo militar parcial ou total da Faixa de Gaza?
Saímos da Faixa de Gaza em 2005, como sabe…
- Eu sei, não foi o que perguntei.
Gaza não está sob ocupação. Não queremos voltar para Gaza. Não queremos governar Gaza. Esta não é a nossa intenção. Mas somos obrigados a trazer de novo segurança ao povo israelita.
- Isso significa que estariam dispostos a ficar?
Não, significa que quando alcançarmos os objetivos da guerra, teremos de trabalhar em conjunto com a comunidade internacional e com os palestinianos para encontrar a melhor forma para que os palestinianos governem Gaza de forma a que não afete a segurança ou minimize de alguma forma a segurança do povo israelita. Teremos de encontrar a melhor forma de o fazermos e há tempo para isso.
- Sr. Embaixador, voltando à pergunta acerca do futuro, a propósito da solução de dois Estados, Israel estaria disposta a expulsar colonos da Cisjordânia para que o processo de paz voltasse a encarrilar?
Não posso responder a essa pergunta porque não sei. Essas coisas têm de ser discutidas em negociações e ainda não chegámos a esse ponto. Posso dizer-lhe que, olhando para o passado, Israel fê-lo. Fizemo-lo quando tivemos de chegar a um acordo de paz com o Egito. Fizemo-lo para chegar a um acordo de paz com os palestinianos, com os Acordos de Oslo.
Já o fizemos na Faixa de Gaza, em 2005. Já o fizemos antes.
- Sim, mas na altura, o número de colonos israelitas a viver na Cisjordânia, sobretudo, era muito menor. E nos últimos 20 anos, os números aumentaram cerca de dez vezes. Então, o problema de expulsar esses colonos será muito maior. E por isso lhe pergunto: o Governo e o próprio Estado de Israel estariam dispostos a expulsar centenas de milhares de colonos israelitas?
Em primeiro lugar, não são centenas de milhares. Mas em segundo lugar, tal como eu disse, deixem-nos terminar esta guerra, deixem que nós, israelitas e palestinianos, alcancemos a liderança certa, que voltemos às conversações sobre o futuro e depois vemos qual será a melhor forma de avançar para uma solução melhor.
- Voltando à questão de como a comunidade internacional está a encarar a guerra e toda esta situação, há Estados-membros da UE que já falam no reconhecimento da Palestina como Estado. Há poucos dias, o líder do Sinn Féin da Irlanda disse que a Irlanda devia fazê-lo. Há alguns dias, o primeiro-ministro espanhol defendeu que Espanha devia reconhecer a Palestina como Estado. Se isso acontecer, qual será a reação de Israel? Vão tentar cancelar países, depois de exercer pressão, tal como cancelaram o CEO da Web Summit?
Antes de mais… Tal como disse… Qualquer país que faça isso comete um erro. Não me parece o caminho certo para encontrar uma solução para o conflito israelo-palestiniano. Israelitas e palestinianos têm de se sentar à mesma mesa para encontrar a melhor solução. Não creio que ter outros países da comunidade internacional a forçar as coisas seja a melhor solução. Já tentámos isso e não correu muito bem.
- Mas isso mudaria a vossa relação com esses países?
Felizmente, o comunicado e a linha da União Europeia não é nesse sentido. A linha da UE é não reconhecer um Estado palestiniano antes que israelitas e palestinianos negoceiem para encontrar a melhor solução para o conflito. E espero que continuem nesta linha.
Não vejo a ligação entre a Web Summit e as nossas relações com outros países. Temos ótimas relações bilaterais com quase todos os países da UE. Vamos mantê-las. E se um país decidir mudar essas relações, teremos de debater isso com eles.
- Voltando a outro assunto desta semana, que é muito importante, o Presidente turco, Recep Erdogan, disse que Israel é um Estado terrorista. Qual é a sua resposta a isso?
Não sei se o Presidente da Turquia é a pessoa indicada para nos dar sermões sobre direitos humanos e sobre como devíamos comportar-nos
segundo as leis internacionais. Não sei se ele é a pessoa indicada para isso.
- É a sua única resposta?
Creio que entendeu o que eu quis dizer.
- Muito bem, Sr. Embaixador, para terminar a nossa conversa, quero falar sobre as políticas israelitas e sobre como tudo evoluiu nas últimas seis semanas. A maioria dos reféns não foi libertada. Muitas pessoas em Israel exigem uma resposta concreta do Governo chefiado por Netanyahu. E ontem, o líder da oposição, Yair Lapid, disse que o partido dele se coligaria a um Governo israelita liderado pela direita, desde que excluísse o primeiro-ministro e alguns dos seus apoiantes de linha-dura. Ele disse, e passo a citar: “Netanyahu tem de sair já.” Netanyahu é a pessoa certa para chefiar o Governo israelita?
Agora quer que eu peça desculpa por sermos um país democrático? Isto é o que os países democráticos fazem. Temos várias vozes e ninguém
se inibe de as expressar. E há liberdade de expressão. As pessoas podem fazer-se ouvir. Existe oposição. E é importante que um ambiente político tenha uma oposição, mesmo durante a guerra.
Mas devo dizer-lhe outra coisa. Se for agora a Israel, verá algo que nunca viu. Tal como eu disse, Israel é um país muito dinâmico. As pessoas fazem-se ouvir, há sempre manifestações.
Mas agora, há uma grande união em torno do Governo e das IDF para alcançarmos os objetivos da guerra, de todos os quadrantes, incluindo os árabes israelitas, que representam 20% da população. Há uma grande união em todo o país, nem é em torno do Governo, para alcançar os objetivos da guerra, para garantir que esta organização terrorista sai de cena e garantir que os reféns regressam. Depois podemos voltar a falar sobre o Governo de Netanyahu, sobre a solução de dois estados e sobre tudo.
Mas agora, queremos alcançar os objetivos e há unanimidade quanto a isto na sociedade israelita.
- Não chegou a responder à minha pergunta. Netanyahu é a pessoa certa para liderar um Governo israelita, quando há queixas de tantas pessoas,
sobretudo do líder da oposição?
Tal como eu disse, o país está unido em torno do Governo para manter e alcançar os objetivos da guerra. Depois da guerra… Somos um país muito democrático.
- Está a dizer que Netanyahu vai manter-se no poder até ao fim da guerra?
Neste momento, ele é o primeiro-ministro e estamos em plena guerra para alcançar os nossos objetivos.