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"Cavaleiro das Estrelas": o fato espacial português que venceu concurso da ESA

O português João Montenegro foi um dos cinco vencedores do concurso da ESA para criar o primeiro fato espacial europeu. Em entrevista à SIC Notícias explicou os desafios que se propôs ultrapassar para criar um fato personalizável e inovador.

Catarina Solano de Almeida

Os novos fatos de astronauta da Agência Espacial Europeia (ESA) poderão ter assinatura portuguesa. O empreendedor João Montenegro é um dos cinco vencedores do concurso lançado pela ESA que recebeu mais de 90 ideias para a criação de um futuro fato para a exploração espacial. Em entrevista à SIC Notícias contou o que o levou a concorrer e o que o inspirou a criar o seu “Cavaleiro das Estrelas”.

O desafio foi lançado pelo departamento de Exploração Humana e Robótica da ESA: é preciso desenhar o futuro fato europeu para as caminhadas fora das naves espaciais, da Estação Espacial Internacional ou mesmo de uma base lunar ou marciana e, sobretudo, “um fato imediatamente reconhecível como um fato europeu para os nossos astronautas da ESA”.

“Futuras missões levarão os europeus à superfície da Lua e, eventualmente, a Marte e possivelmente mais além. Assim que lá chegarem, os nossos astronautas não vão passar todo o tempo dentro de casa. Assim que saírem das suas bases relativamente seguras para explorar esses novos destinos, precisarão de proteção contra os ambientes extremos que encontrarem: o fato de atividade extraveicular (extra-vehicular activity - EVA)”, escreve o diretor de Exploração Humana e Robótica, David Parker.

O Concurso de Design de Fato Espacial da ESA recolheu ideias do público em geral sobre como poderá ser um futuro fato europeu EVA, “imediatamente reconhecível e que tenha em consideração as condições extremas que terão de suportar em caminhadas espaciais para proteger os nossos astronautas”. As questões técnicas são deixadas para outros especialistas, numa fase posterior.

"Um desafio à parte simbólica do que um fato espacial representa"

A Agência Espacial Europeia nunca teve o seu próprio fato de astronauta, tem de usar fatos da NASA (Estados Unidos) e da Roscosmos (Rússia), as duas agências com acesso à Estação Espacial Internacional. Para os astronautas europeus poderem treinar missões extraveiculares têm de o fazer nas instalações da NASA ou Roscosmos.

A criação de um fato espacial europeu está assim carregado de um grande simbolismo que o empreendedor português João Montenegro reconheceu e integrou no seu projeto “StarKnight” , escolhido pelo júri da ESA entre os 96 projetos apresentados. O “Cavaleiro das Estrelas” acabou por ser um dos cinco vencedores.

“A minha proposta para o concurso é sobretudo um desafio à parte simbólica do que um fato espacial representa”, explicou em entrevista à SIC Notícias.

Além de não ter um fato próprio, a Europa também não é autónoma noutras áreas da exploração espacial tripulada, "nunca teve a capacidade de lançar os seus próprios aeronautas, por isso, é compreensível esta preocupação da ESA de, embora numa fase inicial, desenvolver (entre outras coisas) o seu próprio fato espacial com a preservativa de facilitar autonomia na presença humana no espaço dos seus 22 Estados-membros”.

"Dada esta importância geopolítica do fato, foquei o primeiro passo do desenho em tentar traduzir a herança histórica e cultural da ESA. A ESA em particular também simboliza um aspeto muito importante numa perspetiva da exploração espacial com que pessoalmente me identifico muito: na colaboração internacional para a melhoria da vida na Terra".
João Montenegro preocupou-se então com a componente prática de um fato espacial e decidiu acrescentar algo que chega a ser polémico no setor:
“Desenhei o fato para ser personalizável pelo seu ocupante, traduzindo melhor o espírito humano. Há uma consequência disto: a cor. O uso da cor em fatos espaciais é algo controverso, principalmente devido ao efeito que a cor tem na regulação de temperatura. No entanto, assumi este problema como algo importante a resolver visto a cor ter tanto uma função de expressão pessoal e cultural como da codificação de funções e tarefas conforme a missão”.

O desafio do ambiente lunar

Nas expedições previstas nas próximas missões Artemis o objetivo será explorar o Polo Sul Lunar, “um lugar verdadeiramente desafiante”.
“O Polo Sul lunar está cheio de montanhas, falésias e crateras que poderão aumentar o perigo da viagem. Neste ambiente a navegação segura é um problema fundamental a resolver. Na Lua não há GPS e as distâncias e contrastes são contra intuitivos. Assim desenhei no fato a capacidade de projetar informação no visor da mesma maneira que se faz nos capacetes de pilotos de caças. Isto funcionaria através do uso de computação visual via câmaras e lidar que observam o ambiente em frente ao astronauta e ligam-no ao mapa da missão, podendo mesmo projetar informação geológica e de temperatura”.

Os cinco projetos vencedores

Das 96 ideias recebidas, foram 19 as que foram selecionadas por um júri de 10 especialistas em exploração espacial, que incluiu o astronauta alemão Matthias Maurer.

Com base em critérios que incluem a marca e a criatividade da ESA, mantendo o realismo, o júri decidiu por fim os cinco vencedores.

Os vencedores foram convidados para uma visita ao Centro Europeu de Astronautas (EAC) perto de Colónia, na Alemanha. O dia incluiu apresentações sobre o projeto de exploração Terrae Novae e do projeto Spaceship EAC.

Os cinco vencedores apresentaram as suas ideias à equipa da EAC, que inclui os novos candidatos a astronautas da ESA, que estão a receber treino básico na sala de treino e na Instalação de Flutuação Neutra (Neutral Buoyancy Facility).

A Lua como fonte de metal, oxigénio e combustível

Na visita ao centro dos astronautas, João Montenegro ficou especialmente interessado n a área de ISRU (In Situ Resource Utilization) “que está a experimentar métodos de produzir recursos para os astronautas utilizando recursos espaciais através da impressão 3D e outros métodos”.

"Isto significa que missões no futuro poderão usar o "regolito" lunar (nome que se dá ao "solo" da Lua) ou asteroides como fonte de metal, oxigénio e até combustível. Isto será algo essencial para que a exploração espacial cresça de modo sustentável nos próximos anos, visto o maior custo ainda ser a preparação e lançamento do equipamento espacial".

Algumas empresas estão atualmente a investigar a possibilidade de criar uma economia de recursos espaciais e até mover parte da indústria terrestre para o espaço, evitando assim a poluição do nosso planeta.

“Penso que a concretização deste tipo de projetos ainda está a alguns anos de distância, mas que irão de facto revolucionar a vida terrestre”.

O futuro do projeto de fato espacial da ESA

Neste momento a ESA está a analisar os cinco fatos vencedores e a trabalhar na fusão de elementos das ideias apresentadas para criar um design de fato espacial com a marca da ESA, um processo que poderá demorar vários anos.

Segundo a agência, “este design poderá, em primeira instância, ser usado para produzir réplicas de trajes para exposições ou filmes, para educar e inspirar as pessoas sobre a exploração espacial e as atividades da ESA neste domínio”.

Mais tarde, os projetos poderão ser utilizados para o fabrico de fatos para treinos de vários projetos da ESA, como CAVES e PANGAEA, ou a instalação Luna.


A ESA tem a ambição de fazer o seu próprio caminho espacial, autónomo e não dependente dos Estados Unidos ou da Rússia. O fato de astronauta é parte dessa ambição “e este concurso terá sido o primeiro passo do caminho que a Europa quer tomar na conquista autónoma do espaço”.

E os projetos futuros de João Montenegro?

Entre os inúmeros projetos que já idealizou para o espaço e não só, alguns poderão não passar do papel, mas deixam sempre um contributo para o avanço da tecnologia e do conhecimento.
A base lunar Rosas, por exemplo, “foi um projeto de investigação incrivelmente interessante, já teve impacto na indústria espacial, sendo debatido e partilhado por vários investigadores e vozes na área. No entanto, é um projeto que requeria bastantes recursos e por isso difícil de acionar”.
Mas há um projeto em que João Montenegro deposita a esperança de ver sair do papel e para o qual desenhou a cápsula Nazaré: o Reenter Space.
“Este projeto tem como objetivo a criação de uma empresa sustentável para a reutilização de equipamento espacial, algo que é extremamente caro e raro de fazer neste momento. De momento eu e o meu cofundador estamos a desenvolver uma primeira fase do projeto”.
João Montenegro explica que tem “ treino em engenharia, programação, gestão de negócio e desenho de produto, pelo que faço uso dessas capacidades quando preciso”.
“Mas sobretudo gosto de criar projetos novos com propósito de melhorar a vida na Terra de modo sustentável (tanto ambiental como financeiramente)”.
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