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As luas geladas de Júpiter, nova esperança para encontrar vida extraterrestre

Será que há condições para a existência de vida no nosso Sistema Solar além da Terra? Este é um dos mistérios que quer desvendar a missão espacial europeia a Júpiter, JUICE.

A fotografia tirada a Júpiter pelo telescópio espacial Hubble da NASA / ESA, a 25 de agosto de 2020, quando o planeta estava a 653 milhões de quilómetros da Terra oferece aos astrónomos um relatório meteorológico atualizado sobre a turbulenta atmosfera do planeta gigante. Uma notável tempestade está a formar-se. A imagem também mostra a lua gelada de Júpiter, Europa.
NASA/ESA Hubble Space Telescope, A. Simon (Goddard Space Flight Center), and M. H. Wong (University of California, Berkeley) and the OPAL team

Catarina Solano de Almeida

Atualização: o lançamento previsto para as 13h15 desta quinta-feira foi cancelado poucos minutos antes da hora prevista devido ao mau tempo na Guiana Francesa, nomeadamente “risco de relâmpagos”. Será feita nova tentativa amanhã, sexta-feira, à mesma hora, 13h15 de Lisboa, anunciou a Arianespace.

"O veículo de lançamento Ariane 5 e o seu passageiro JUICE estão em condições estáveis e seguras", tranquiliza a empresa francesa responsável pela operação dos foguetões.


Sob a camada de gelo de três luas de Júpiter há vastos oceanos de água em estado líquido, terreno fértil para a existência de vida. Razão suficiente para a exploração destes satélites naturais do maior planeta do Sistema Solar, destino da missão JUICE que inicia um novo capítulo na procura de mundos extraterrestres habitáveis.

Estes corpos celestes estão tão distantes do Sol que os astrónomos tinham-nos excluído da zona do Sistema Solar considerada habitável, que terminava em Marte.

Mas as descobertas da sonda da NASA Galileo (1995-2003) em torno de Júpiter e da sonda Cassini (2004) em torno de Saturno alargaram essa fronteira. Não exatamente para esses planetas gigantes e gasosos, logo, sem condições para a existência de vida, mas para as suas luas geladas: Europa, Ganimedes e Calisto de Júpiter; Encélado e Titã de Saturno.

Todos estes satélites naturais têm um enorme trunfo: albergam sob a superfície de gelo oceanos de água em estado líquido - somente a água em estado líquido torna a vida possível.

A lua Europa será o objetivo da futura missão da NASA Europa Clipper.

JUICE aposta em Calisto e Ganimedes: em 2034, deverá entrar na órbita deste satélite natural, o maior do sistema solar. É também a única lua a ter seu próprio campo magnético que a protege das radiações perigosas.

A longa viagem de 8 anos de JUICE até ao sistema joviano

Ao fim de 11 anos de preparação, a missão da Agência Espacial Europeia está pronta para partir. A sonda deverá chegar ao gigante gasoso ao fim de oito anos, em julho de 2031, fazer 35 voos de aproximação às luas geladas e alcançar Ganimedes em dezembro de 2034.

  • Pode acompanhar o lançamento no site da ESA ou no YouTube. O foguetão europeu Ariane 5 tem nova hora de lançamento prevista para as 13:15 (hora de Lisboa) de 14 de abril a partir da base espacial da ESA em Kourou, na Guiana Francesa.

A missão Jupiter Icy Moons Explorer (JUICE) - Explorador das Luas Geladas de Júpiter - investigará a existência de mundos habitáveis em torno de gigantes gasosos e estudará o sistema de Júpiter como um arquétipo para os numerosos exoplanetas gigantes que estão na órbita de outras estrelas.

Na bagagem, a JUICE leva alguns dos instrumentos e sensores mais avançados alguma vez usados na exploração do lado mais distante do sistema solar e vai passar mais de três anos em observações detalhadas do sistema joviano.

Conta com projetos de várias empresas, cientistas e especialistas portugueses e tem na sala de controlo de missões um português como diretor de operações de voo.

O planeta mais “estranho” do nosso Sistema Solar

Júpiter é o quinto planeta na órbita do Sol, posicionado entre Marte e Saturno a uma distância média de cerca de 778 milhões de quilómetros do Sol.

É o maior dos quatro “gigantes gasosos” do Sistema Solar - planetas massivos constituídos principalmente por elementos na forma de gás. Mas Júpiter é incontestavelmente o maior de todos - tem mais que o dobro da massa de todos os outros planetas juntos.

Cerca de 90% dos átomos de Júpiter são hidrogénio, com os 10% restantes compostos de hélio e uma pequena fração de oligoelementos que contribuem para moléculas como água e amoníaco.


As “riscas” e os remoinhos são nuvens frias de amoníaco e água que flutuam numa atmosfera de hidrogénio e hélio. A icónica Grande Mancha Vermelha de Júpiter é uma tempestade gigante, maior que a Terra, que dura há centenas de anos.

“Luas-oceanos” com mais água que a Terra

A presença de água nas luas de Júpiter foi uma grande descoberta feita com dados da sonda Galileo que chegou a Júpiter em 1995 e detetou a presença de gigantescos oceanos líquidos sob as camadas geladas de três luas: Calisto, Europa e Ganimedes. A quarta grande Lua de Júpiter, Io, é vulcânica.

Em 2013, o Telescópio Espacial Hubble descobriu géiseres na Lua Europa, ao pé dos quais existiriam sais, em particular carbonatos, e subsequentes análises aos dados do Hubble revelaram a existência de vapor de água em Europa e em Ganimedes.

Estas características sugerem que existe um ambiente estável, outra condição para que surja vida, mas mais ainda, que tal vida subsista e que ainda permaneça.

Ao contrário das missões a Marte, em busca de vestígios de vida antiga já desaparecida, a exploração das luas geladas de Júpiter procura ambientes ainda habitáveis, coisa que o planeta vermelho já não é.

Habitabilidade também requer uma fonte de energia. No sistema joviano esta não vem do Sol, mas da gravidade que Júpiter exerce sobre os seus satélites: "efeitos de maré" semelhantes ao que acontece na Terra com a sua Lua.

Quatro condições essenciais para a existência de vida:

Assim, acredita-se que nestas luas existam as quatro condições de habitabilidade (ou seja, a capacidade da existência e desenvolvimento de vida):

  • O famoso CHNOPS, acrónimo para os principais elementos químicos que compõem os seres vivos.
  • Água em estado líquido.
  • Energia para permitir o desenvolvimento da vida.
  • Um ambiente estável (órbitas, rotação, temperaturas médias, etc.)

Ganimedes

É a maior lua do nosso sistema solar e a única lua com o seu próprio campo magnético. É maior que o planeta Mercúrio e o planeta anão Plutão.

Há provas muito fortes de que Ganimedes tem um oceano subterrâneo de água salgada que pode conter mais água do que toda a água da superfície da Terra.

Um ecossistema precisa de nutrientes para se manter, e é preciso saber se o oceano de Ganimedes os contém, se é capaz de absorver componentes depositados na superfície, para depois serem dissolvidos na água.

Os instrumentos de JUICE vão assim inspecionar este oceano de todos os ângulos e avaliar a sua profundidade, distância até à superfície e, a maior das expectativas, a sua composição.

A sonda vai orbitar Ganimedes cerca de oito meses e poderá aproximar-se até 200 km de altitude, protegida da radiação.

Se Ganimedes realmente preencher todos os requisitos para hospedar vida, o próximo passo lógico seria enviar um módulo para pousar na lua, mas atualmente não há planos para tal missão.

Europa

Europa é ligeiramente mais pequena que a nossa Lua e tem menos de um quarto do diâmetro da Terra.

Desprovida de magnetosfera, a lua Europa é menos hospitaleira para uma nave espacial. A sonda norte-americana Europa Clipper, que chegará ao seu destino mais ou menos um ano depois de JUICE, só poderá sobrevoá-la.

Os dados recolhidos pelas duas missões serão, no entanto, complementares.

Acredita-se que tenha um núcleo de ferro, um manto rochoso e, escondido sob a superfície gelada, um oceano de água salgada que contém o dobro da água dos oceanos da Terra juntos.

Calisto

Calisto é a segunda maior lua de Júpiter e a terceira maior lua do nosso sistema solar. É a lua mais distante de Júpiter, por isso, a magnetosfera do planeta exerce muito menos influência e é também menos afetada pela força das marés.

A sua superfície é coberta de crateras, mais do de qualquer objeto do nosso Sistema Solar. Imagens de Calisto captadas por naves que por lá passaram mostram pontos brancos brilhantes destacando-se contra regiões mais escuras. Os cientistas acreditam que as áreas brilhantes são principalmente gelo e as manchas mais escuras são áreas que o gelo erodiu.

Antes considerado um corpo rochoso morto e inativo, dados recolhidos pela sonda Galileo na década de 1990 indicam que Calisto pode ter um oceano salgado sob a sua superfície gelada. Pesquisas mais recentes revelam que esse oceano pode estar localizado mais abaixo da superfície do que se pensava, ou pode nem existir. Se houver um oceano, é possível que esteja em interação com as rochas, criando um potencial habitat para a vida.

Três missões para desvendar os segredos de Júpiter

Atualmente, o único satélite artificial em órbita de Júpiter é o Juno, da NASA. Lançada a 5 de agosto de 2011, a sonda Juno entrou na órbita de Júpiter a 4 de julho de 2016. Tem como missão sobrevoar o gigante gasoso e o maior planeta do sistema solar.

A maioria dos sobrevoos são feitos a uma distância entre 10 mil e 4.667 quilómetros acima das nuvens, muito mais próximos do que o precedente recorde de 43 mil quilómetros estabelecido pela sonda norte-americana Pioneer 11, em 1974.

Segue-se então a europeia JUICE e a norte-americana Europa Clipper, que deverá partir em outubro de 2024.

Embora sejam três missões com diferentes objetivos, órbitas e instrumentos, são complementares: juntos, os resultados recolhidos pelos três engenhos vão avançar significativamente a nossa compreensão do sistema de Júpiter. E, quem sabe, encontrar extraterrestres jovianos.

Banda sonora para acompanhar uma viagem até ao maior planeta do Sistema Solar.

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