Mundo

A vida de José Eduardo dos Santos de Luanda a Barcelona

José Eduardo dos Santos, que morreu esta sexta-feira em Barcelona, foi sempre um líder que primou pela discrição, mas o exercício do poder foi considerado por organizações internacionais como absolutista. Recorde o percurso de vida do ex-chefe de Estado de Angola que começou no bairro de Sambizanga.

STEPHANE DE SAKUTIN

SIC Notícias

Lusa

José Eduardo santos, o jovem marxista que ocupou a Presidência da "trincheira firme do socialismo em África" recolheu-se no Futungo de Belas, em Luanda, onde percorreu o seu caminho político.

Considerado frio e calculista pelos críticos, demitiu dezenas de ministros, vários primeiros-ministros, e comandantes militares a quem responsabilizava pelos insucessos na condução dos destinos nacionais em termos económicos ou na luta contra a UNITA, consolidando o seu poder pessoal.

Saiu da Presidência, em 2017, cedendo o lugar ao atual chefe de Estado, João Lourenço, e deixando um país com abundantes receitas de petróleo e excedentes orçamentais, cortejado pelas grandes potências globais, desde a China aos Estados Unidos.

28 de agosto de 1942

José Eduardo dos Santos, filho de Eduardo Avelino dos Santos, pedreiro reformado, e de Jacinta José Paulino, doméstica, nasce no bairro de Sambizanga, em Luanda. Frequenta o Liceu Nacional Salvador Correia, atual Mutu-ya-Kevela, em Luanda.

Em 1956, a fusão de vários grupos dá origem ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Nessa altura, Eduardo dos Santos teve um papel ativo na organização de grupos clandestinos nos arredores de Luanda, algo que viria a intensificar-se a partir de 1961.

Nesse ano sai de forma clandestina de Angola e viaja para Leopoldville (atual Brazzaville), no então Congo Belga (atual República do Congo) e, no ano seguinte, acumula as funções de vice-secretário da JMPLA (juventude do MPLA) e de representante do MPLA.

Em 1963 tem uma breve passagem pela guerrilha na luta contra o colonialismo português. Nesse ano recebe uma bolsa de estudo para estudar no Instituto de Gás e Petróleo de Baku, Azerbaijão, na antiga União Soviética, onde se formou como engenheiro industrial (setor petrolífero) em junho de 1969.

Durante a sua formação, joga futebol no Neftchi (Azerbaijão), equipa de futebol da primeira liga soviética. Após terminar a tese, é enviado para uma academia militar soviética para receber instrução como operador de comunicações militares. A formação fê-lo subir na hierarquia militar do MPLA.

Década de 70 e a chegada ao poder

Assume a chefia do centro de comunicações da Frente Norte e, mais tarde, ocupa o cargo de chefe-adjunto do serviço de comunicações da segunda região político-militar do MPLA, Cabinda. Membro da Comissão Provisória de Reorganização da Frente Norte e chefe dos serviços financeiros do segundo distrito político-militar.

Em setembro de 1975 e por indicação do Presidente Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos foi escolhido para integrar o Comité Central e o Bureau Político do MPLA, na Conferência Inter-Regional do partido que se realiza no Moxico. Passa a coordenador dos departamentos de Relações Públicas e de Saúde e de Relações Exteriores do MPLA. E, dois meses depois, dia 11 de novembro Dia da independência de Angola e José Eduardo dos Santos torna-se o primeiro chefe da diplomacia do novo país.

1976-1978

Nomeado vice-primeiro-ministro e, a partir de dezembro de 1978, ministro do Plano; a nível partidário, foi secretário do Comité Central do MPLA para diversas áreas, como a Educação, Reconstrução Nacional e Desenvolvimento Económico e Planificação. Em maio de 1977 é nomeado por Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, chefia a comissão de inquérito à alegada tentativa de golpe de Estado conduzida por Nito Alves.

Em dezembro desse ano, no primeiro congresso do agora designado MPLA - Partido do Trabalho, Eduardo dos Santos manteve-se como membro do Comité Central e do Comité Político. Dia 21 de setembro de 1979, com a morte do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, a 20 de setembro, José Eduardo Santos é eleito secretário-geral do MPLA e assume o cargo de Presidente de Angola e de Comandante-Chefe das Forças Armadas Angolanas.

Década de 80

Reunião extraordinária do MPLA, em dezembro, decide continuidade de José Eduardo dos Santos na Presidência; Institucionalizada a Assembleia do Povo, formalmente o órgão máximo do poder do Estado, sob presidência do chefe de Estado.

A 25 de janeiro de 1988 recebe o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal.

Década de 90

Em maio de 1991, José Eduardo dos Santos, pelo MPLA, assina com Jonas Savimbi, líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o Acordo de Bicesse que contemplava um cessar-fogo, a constituição do exército único e realização de eleições gerais, sob a supervisão das Nações Unidas.

Em setembro de 1992, há eleições presidenciais e legislativas. O MPLA ganha com maioria absoluta, com a UNITA em segundo lugar. José Eduardo dos Santos foi o mais votado, com 49%, na primeira volta das presidenciais. Mantém-se em funções, com o processo eleitoral por concluir.

No mês seguinte, Savimbi declara as eleições fraudulentas e ameaça regressar à guerra. Duas semanas depois, a ONU valida eleições, considerando-as "genericamente livres e justas". Aí começam confrontos violentos em Luanda, que duram três dias. Vários altos dirigentes da UNITA são mortos, entre os quais o vice-presidente, Jeremias Chitunda, e o chefe da representação do movimento do "Galo Negro" na Comissão Conjunta Político-Militar e sobrinho de Savimbi, Elias Salupeto Pena. A escalada de guerra torna-se incontrolável, refugiando-se a UNITA no Huambo, onde tinha concentrado o quartel-general.

A 19 de maio de 1993, o Governo angolano é reconhecido pelos Estados Unidos, seguido pela maioria da comunidade internacional. No final do ano seguinte é assinado o protocolo de Lusaca para a desmobilização das tropas do MPLA e da UNITA, formação de um Governo de unidade e de reconciliação nacional. E em 1996 recebe o Grande-Colar da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada de Portugal.

Década de 2000

Em fevereiro de 2002 aquando da morte de Jonas Savimbi, o Governo anuncia que as forças governamentais abateram o líder da UNITA na província do Moxico. Dois meses depois, assinalando o fim de 27 anos de guerra civil, assiste no Palácio dos Congressos, em Luanda, à assinatura do acordo geral de Paz no Luena, entre o general Abreu Muengo Ucuachitembo "Kamorteiro" (UNITA) e o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas, general Armando da Cruz Neto, na presença do corpo diplomático, líderes religiosos e personalidades da sociedade civil.

Em fevereiro de 2007 anuncia a realização de eleições legislativas em 2008 e presidenciais em 2009. Em agosto de 2008 realizam-se as legislativas, naquela que é a primeira consulta popular após o fim da guerra civil. José Eduardo dos Santos é indicado para Presidente pelo MPLA, que obteve 82% dos votos, que valeram 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional.

No início do ano seguinte é aplicada a nova Constituição, que consagra o regime presidencialista. O Presidente passa a ser o cabeça-de-lista do partido mais votado no círculo nacional, em eleições gerais, passando a ser eleito por via indireta.

Em março desse ano, mais de 20 mil pessoas participam numa manifestação de apoio a José Eduardo dos Santos em resposta a protestos inéditos contra o regime e, em agosto de 2012, o MPLA, liderado por José Eduardo dos Santos, vence as eleições gerais com 72% dos votos.

Chegados a 2017, o MPLA vence as eleições gerais com 61% dos votos, permitindo a nomeação de João Lourenço como terceiro Presidente da República de Angola desde a independência. No mês seguinte, José Eduardo dos Santos deixa o poder.

A partida para Barcelona

Em 2019 muda-se para a cidade catalã de Barcelona para realizar com maior facilidade tratamentos no Centro Médico Teknon, uma das melhores unidades hospitalares europeias na valência de oncologia, que já tratava o ex-Presidente angolano há cerca de oito anos – a partir da altura em que esta unidade catalã foi recomendada a José Eduardo dos Santos por especialistas brasileiros no Rio de Janeiro.

Últimas