A inflação, o aumento das taxas de juro e a subida do custo de vida têm feito aumentar os receios de uma recessão económica.
Um estudo recente, publicado em 2022, e citado por Nuno Rogeiro, no seu espaço de comentário semanal na SIC Notícias Leste/Oeste, levanta a possibilidade de Portugal ser o primeiro país da Europa onde uma bolha imobiliária vai explodir.
A falta de literacia financeira, a chegada de estrangeiros, os efeitos das moratórias, a facilidade de acesso ao crédito e as taxas de juro baixas são alguns dos fatores, apontados pelo estudo da Value of Stocks, uma plataforma de divulgação financeira norte-americana, que contribuem para a formação de uma bolha imobiliária.
Mas será que o risco de explosão é mesmo real? Especialistas contactados pela SIC Notícias admitem que existem "alguns sinais que provocam preocupação", no entanto "ainda há motivos para pensar que essa bolha não se esteja a verificar".
Mas, afinal, o que é uma bolha imobiliária?
Uma bolha imobiliária acontece quando existe uma subida de preços “pronunciada”, que “os torna sem qualquer fundamentação económica”, explica o economista João Duque.
Ou seja, “os preços deixam de ter qualquer aderência a valores fundamentais de custo de construção acrescido da margem comercial apropriada, ao desconto de futuros rendimentos provenientes de rendas cobradas ou que se baseiem num óbvio crescimento da procura”.
“As bolhas formam-se quando a única razão do preço se baseia na expectativa de que no futuro nos vão comprar o bem por um valor superior sem que nenhuma das razões anteriores se possam observar”, explica João Duque.
Há mesmo risco de existir em Portugal uma bolha imobiliária e de rebentar?
Sim e não, ou seja, apesar de existir este risco, “há ainda motivos para pensar que essa bolha não se esteja a verificar”, considera João Duque.
O economista aponta uma “única grande preocupação” perante este cenário: “A subida das taxas de juro que irão atacar os que se endividaram mais recentemente”.
Quem comprou casa ou carro há pouco tempo e ainda tem um valor em dívida muito elevado, segundo João Duque, são estas as pessoas que “poderão ter de vender as casas” por não conseguirem suportar a subida das prestações.
Já Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da DECO, considera que existem “sinais que provocam preocupação”, apontando também o “aumento dos juros do crédito à habitação com taxa variável”, que vão acabar por “pressionar os orçamentos familiares, que já estão condicionados pela inflação”.
Ainda assim, a coordenadora da DECO pede “cautela”, explicando que existe “uma grande diferença entre uma bolha que rebenta e provoca uma derrocada generalizada de preços e uma descida de preços em que o mercado corrige, devido à alteração das dinâmicas entre oferta e procura”.
João Duque apesar de reconhecer que existe o risco de uma “descida de preços dos imóveis”, não acredita que isso "possa corresponder a um "rebentamento de uma bolha imobiliária".
"Acredito mais num abrandamento severo ou até uma ligeira redução, mas não acredito num cataclismo", considera.
O que “tranquiliza”, para já, Portugal?
O economista João Duque aponta cinco razões que levam a crer que uma bolha imobiliária não se está a verificar em Portugal.
- O preço do metro quadrado em Portugal, quando comparado com o de outros países, é ainda baixo. Ou seja, “muitos europeus e agora americanos podem vender as suas propriedades, comprar outra em Portugal e usar a diferença para melhorarem as suas reformas”.
- O custo de construção continua muito elevado, não só porque há escassez de mão-de-obra, como os materiais e matérias-primas não dão sinais de se desvalorizarem.
- “Apesar do stock de casas existentes ser muito elevado”, o “IMI não é suficientemente elevado para dissuadir os proprietários”.
- Há razões que levam a acreditar que a procura se vai manter e “assim evitar uma quebra brusca que corresponderia ao rebentamento da tal bolha”. “O mercado português e Portugal, que foi descoberto pelos europeus há umas décadas (primeiro os britânicos, depois os franceses), está a ser agora descoberto pelos americanos.”
- O número de pessoas a viver em Portugal e a trabalhar para empresas não residentes está a aumentar. Os salários destes trabalhadores permite-lhes “o pagamento de rendas elevadas e a compra de casas a preços superiores ao que a média das famílias portuguesas, que trabalham para empresas portuguesas, pode aspirar”.
Explosão da bolha imobiliária, crédito à habitação e taxas de juro: existe relação?
De acordo com os dados do Banco de Portugal, 1,4 milhões de famílias têm crédito à habitação, sendo que 93% das mesmas têm os contratos com taxa variável.
Natália Nunes, da DECO, explica que o aumento das taxas de juro, como medida de combate à inflação, levará a que haja a necessidade de muitas famílias virem a passar por ajustamentos dolorosos, nomeadamente as que têm taxas de esforço elevadas e/ou rendimentos mais baixos.
Com estes aumentos das taxas de juro do crédito à habitação, os orçamento das famílias, que já estão condicionados pela inflação, ficam ainda mais pressionados.
No entanto, afirma que “não se prevê que as famílias, de forma generalizada, deixem de ter capacidade de pagar o crédito à habitação e venham a perder as suas casas”. Ainda assim, dá como “certo que muitas vão ter de fazer ajustes nos seus orçamentos e nos créditos”.
A coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da DECO diz ainda que, por esta razão, “não se antevê que os preços das casas comecem subitamente a descer” e por isso que rebente uma bolha. Para além de que, “do lado da oferta, o preço das casas tem vindo a aumentar de forma significativa”, acrescenta.
A renegociação do crédito habitação é uma boa opção?
Renegociar é uma boa opção, diz Natália Nunes, acrescentando ainda que “é a opção para quem tem taxas de esforço muito elevadas”. Esta possibilidade “permite à família não entrar numa situação de incumprimento”.
Como prevenir a formação de uma bolha imobiliária?
Para Natália Nunes, da DECO, o “Estado pode e deve ter uma intervenção” e dá como exemplo o pacote de fundos europeus até 2029, que “contém largas fatias dedicadas à Reabilitação Urbana”, que podem ser usadas para recuperar o parque habitacional e criar habitação acessível aos jovens.
A flexibilização das “normas relativas à renegociação e reestruturação dos empréstimos destinados à habitação própria e permanente”, para a DECO, é uma medida “necessária”.
Natália Nunes defende ainda a “criação de uma linha de financiamento que apoie as famílias, no pagamento da prestação do crédito à habitação” e afirma que é essencial que as autoridades de supervisão “fiscalizem e avaliem se as medidas recentemente implementadas para mitigar os efeitos do aumento das Euribor são suficientes”.
Para João Duque, tudo o que previna o “afastamento do preço das suas variáveis fundamentais”, como o “crédito promovido sem condições de reembolso assegurado”, “taxas de juro negativas” ou “dificuldade em aceder a licenças de reabilitação ou construção”, irá prevenir a formação de uma bolha.
E se uma bolha imobiliária explodir, o que pode acontecer em Portugal?
João Duque afirma que “traria problemas sérios ao setor bancário” e que este seria o “problema maior e imediato”.
Os principais problemas, explica o economista, seriam ao nível da “criação de imparidades e de baixar os níveis de solvabilidade dos mesmos”.
Além disso, poderia também começar uma onda de contestação social, “com alguma possibilidade de desagregação social”.
O que aconteceu em 2008 pode voltar a acontecer?
“Não se antevê que possa ocorrer um colapso da bolha imobiliária igual à verificada em 2008.”
Natália Nunes, da DECO, explica que, apesar de o rendimento não acompanhar a inflação, o “mercado de trabalho tem taxas de desemprego baixas”, o que permite às famílias ter “algum rendimento”.
Para além disso, esclarece que, desde há algum tempo, os bancos têm vindo “a restringir as condições do crédito habitação e existem medidas, desde 2012, que os obrigam a acompanhar a boa execução dos contratos por parte dos consumidores, com vista a evitar o incumprimento”.