Orçamento do Estado

A choradeira do chumbo do PEC IV está de regresso

A choradeira do chumbo do PEC IV está de volta pela mão dos políticos viciados em despesa (com o dinheiro dos contribuintes) e com a ajuda do Presidente da República: segundo esta tese, os culpados da crise financeira, económica e social, que estamos a viver e que se vai agravar são os que chumbaram o Orçamento do Estado de 2022 e não o Governo de António Costa (que nunca fez as reformas estruturais necessárias para pôr o país no caminho do crescimento).

José Gomes Ferreira

A mesma narrativa de que a crise de 2011-2012 foi desencadeada por quem provocou a queda do Governo socialista e a convocação de eleições, é a mesma narrativa que agora se ensaia com o chumbo do OE 2022: tal como há dez anos, os culpados dos problemas do país são os que vêm a seguir e não quem estava antes a governar.

Tal como há dez anos, a subida dos juros da dívida portuguesa nos mercados internacionais ficará a dever-se ao chumbo do OE por razões políticas e não às consequências de uma governação que somou défice ao défice e dívida à dívida.

Tal como há dez anos, se não há emprego sustentável em Portugal e os jovens têm de o procurar lá fora, quem verbaliza esta simples verdade é quem está a convidar as pessoas para emigrar e é o primeiro culpado da crise!

O próprio Presidente da República disse claramente no seu discurso de convocação de eleições legislativas, esta quinta-feira, que ninguém queria o chumbo do Orçamento do Estado para 2022.

Marcelo Rebelo de Sousa considera assim que o país ia ter um bom orçamento, que estava tudo no bom caminho e que o país não tem um problema orçamental, financeiro e económico para resolver.

Marcelo Rebelo de Sousa considera, assim, que os problemas que vierem a seguir são motivados por razões de política partidária e não por desequilíbrios estruturais graves do país.

É essa também a opinião de João Leão. Para o ministro das Finanças, o país não tem nenhum problema, nem de crescimento económico, nem de emprego, nem de produtividade, nem de desequilíbrio estrutural grave e esteve a crescer e a convergir com a média europeia nos últimos seis anos. Os irresponsáveis que chumbaram agora o seu irrepreensível Orçamento do Estado é que são responsáveis pela crise que vier a seguir.

Se os juros da dívida pública subirem nos mercados internacionais e a uma crise financeira se somar uma crise económica e social, isso será culpa de quem chumbou o OE 2022, o novo PEC IV!

Ora esta interpretação representa uma inversão completa dos termos com que se define a realidade de Portugal neste momento histórico em que vivemos.

O nosso país regista desequilíbrios estruturais graves, mas o Presidente da República queria manter a paz pantanosa em que temos vivido e que impede reformas a sério para resolver esses graves problemas de fundo.

Na verdade, o país não precisa de um orçamento que aumenta a média dos salários da função pública em 2,5 por cento e a massa salarial em 3,1 por cento. O país não precisa de uma política orçamental e económica que distribui riqueza que não existe porque não foi criada por nós.

Do que o país precisa é de criar riqueza para depois poder ser distribuída.

O que o país precisa está escrito preto no branco no relatório da Sedes sobre desenvolvimento económico e social, escrito pelo professor Carlos Alves, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que acaba de ser divulgado.

Este estudo diz claramente que Portugal está a caminho da cauda da Europa, a passo de corrida, porque não quer fazer as reformas que se impõem para voltar ao crescimento e à convergência com a União Europeia.

As medidas para garantir esse crescimento são muito claras.

É preciso garantir flexibilidade à legislação laboral que mais protege os postos de trabalho do que os trabalhadores e é das mais rígidas do mundo; é preciso voltar a ter um banco de horas que permita adaptar o ritmo da produção às ordens de encomenda de produtos e serviços.

É preciso baixar os custos da eletricidade e cortar definitivamente as rendas garantidas dos lobbies que se aproveitam da transição energética para nos espoliar coletivamente.

É preciso erradicar definitivamente a burocracia que mata a criação de novos postos de trabalho. Por exemplo, acabar já com a obrigação de os empresários que querem aproveitar as águas residuais nas suas fábricas terem de apresentar um novo estudo de impacto ambiental, que demora anos a aprovar, a somar ao estudo que já tinham apresentado antes para a construção da unidade industrial, quando essa reciclagem das águas residuais devia ser automaticamente autorizada.

É preciso obrigar a Agência Portuguesa do Ambiente, cujos telefones simplesmente não são atendidos por ninguém, a receber imediatamente os milhares de empresários que desesperam para ver os seus projetos aprovados para poder investir e criar emprego.

É preciso garantir a reforma da Justiça, nomeadamente da área económica, para que os casos em litígio sejam resolvidos rapidamente e os empresários que criam valor consigam usar os ativos retidos anos e até décadas nas massas insolventes, por causa dos atrasos nos processos.

É preciso parar de investir em setores não transacionáveis como a construção e o mercado da energia, e apostar definitivamente na produção de bens e serviços para exportação e para substituir importações.

Tudo isto e muito mais está escrito neste relatório da Sedes. Mas o que o Orçamento do Estado de 2022 e a atitude do Governo que o produziu promove é exatamente o contrário: uma aposta continuada e suicidária no modelo de crescimento económico com base na estimulação da procura interna através de aumentos de salários, de pensões e de subsídios públicos com dinheiro que não existe, que tem de ser pedido nos mercados internacionais e atirado para as montanhas crescentes de dívidas pública e externa – o mesmo modelo de crescimento de 1995 e de 2005, que nos atirou para sucessivas crises orçamentais e económicas.

Não, senhor Presidente da República, nem toda a gente queria ver o Orçamento do Estado de 2022 aprovado.

Não, senhor primeiro-ministro, senhores membros do Governo e senhor Ministro das Finanças, nem toda a gente acha que a crise que aí vem será provocada pelo chumbo do OE 2022.

Essa crise será provocada pelo que os senhores fizeram e sobretudo pelo que não fizeram: as reformas estruturais de que o país precisa e de que os senhores fogem como o diabo da cruz, porque têm medo que estas reformas sejam vistas como um regresso ao programa da Troika que os senhores tanto diabolizaram.

De uma vez por todas, o país tem de perceber que os culpados da crise de 2011 não foram os representantes da Troika nem os governantes que tiveram de enfrentar a crise de então. Foram os governantes anteriores que nos atiraram para os braços dos credores internacionais.

Ontem como hoje a história repete-se.

O pior aluno não é o que não sabe. O Pior aluno é o que não quer aprender.

Com mais ou menos esforço, o aluno que não sabe, aprende, tal como fizeram os países do leste europeu agora lançados num crescimento sustentado e duradouro.

O pior aluno é o que não quer aprender, nem com os ensinamentos dos outros nem com os seus próprios erros.

Portugal é o pior aluno da União Europeia e não quer aprender porque os seus dirigentes políticos acham que está tudo bem.

A começar por Marcelo Rebelo de Sousa, que acha que o chumbo de um mau orçamento de 2022, o novo PEC IV, é a fonte de todos os males…

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