Ontem Já Era Tarde

“João Pinheiro é grande, mas não é grande coisa e Luís Godinho considera-se uma estrela de cinema”

Jorge Coroado foi o primeiro árbitro português a atingir a marca dos 200 jogos na Liga, num percurso feito entre 1986 e 2001. Recorda com saudade os tempos de arbitragem e diz que a atual geração de árbitros tem menos qualidade do que as anteriores.

Luís Aguilar

“Temos um ou dois árbitros com nível e categoria. Artur Soares Dias é um deles"

Em relação a João Pinheiro, outros dos árbitros internacionais, Coroado tem uma opinião diferente: “É grande, mas não é grande coisa. Não é um árbitro coerente e criterioso que saiba estar todos os dias com o mesmo espírito e a mesma vontade. Não se pode ter um critério num jogo e depois alterá-lo noutro mais mediático. O árbitro tem de ser um robô e aplicar a lei em função daquilo que viu. Se está a pensar nas consequências, é um erro.”

Na sua habitual análise ao trabalho do árbitro, no jornal O Jogo, Coroado também já focou Luís Godinho, após um jogo entre SC Braga e FC Porto, na temporada 2020/2021. A sua apreciação levou a que Luís Godinho apresentasse uma queixa-crime, mais tarde arquivada, após Coroado escrever: “Hélder Malheiro foi para a jarra depois do Bessa [Boavista-Gil Vicente]. Para este [Luís Godinho], o sítio adequado é a ETAR. De preferência, na foz de um rio”.

Coroado diz não se arrepender do seu comentário: “O problema é a interpretação que as pessoas querem dar. Uma estância de tratamento para árbitros não é uma expressão pesada. Só que o senhor Luís Godinho considera-se uma estrela de cinema. Os árbitros não fazem parte do espetáculo do futebol, estão no espetáculo do futebol. Um árbitro que acha que é uma estrela do futebol está estragado, não presta, anda lá à procura de destaque e para mim não tem valor. As estrelas dos jogos são os jogadores, não os árbitros.”


"Cheguei a ser ameaçado com faca e pistola depois de um Benfica-Sporting em que expulsei o Caniggia”

Temporada 1994/95. Jorge Coroado apita um Benfica-Sporting, para o campeonato, com vitória dos leões por 2-1. Durante o jogo, Coroado expulsa o argentino Claudio Caniggia, então jogador das águias, exibindo um cartão amarelo seguido de um vermelho. Fica a ideia de que Coroado faz uma expulsão por acumulação de amarelos, embora Caniggia ainda não tivesse visto qualquer cartão. O Benfica usa esse argumento para protestar o jogo. Coroado, no entanto, tem outra versão: “Mostrei-lhe o amarelo por uma situação e o vermelho por outra, mas aquilo foi muito rápido e ficaram com a ideia de que tinha sido um erro meu.”

O jogo seria repetido no final da época, com vitória do Benfica, e depois anulado pela FIFA, ficando o resultado do primeiro. Mas graças a esse jogo e à expulsão de Caniggia, Coroado passou por situações graves com adeptos do Benfica: “Trabalhava no banco, na zona de Sete Rios. Primeiro, há um fulano que me tenta atropelar, quando eu ia na passadeira, numa Renault 4. Depois, noutro dia, aparece-me um fulano com uma faca de mato. Tenho essa faca na minha casa, no meu museu, é uma recordação. Só fiquei chateado porque, no gesto de ameaça de que me dava uma facada, furou-me um casaco de antílope do qual eu gostava muito. Mas ficou sem a faca e só não ficou com o cotovelo estragado porque eu não quis. Fiz-lhe uma chave e se quisesse partia-lhe o braço.”

A última situação chegou a envolver um revólver, embora Coroado desvalorize: “Também na sequência desse jogo, houve um indivíduo que me apontou uma Glock e eu pensei que estava a gozar comigo. Nos meus tempos de tropa, aprendi que quem tem uma pistola na mão, quase sempre usa essa pistola só para assustar.”

“Os clubes portugueses tinham o hábito de levar árbitros estrangeiros para casas de diversão noturna”

Nas décadas de 1980 e 1990, era um hábito comum. Segundo Jorge Coroado, os clubes de Lisboa e do Porto tinham o costume de levar os árbitros estrangeiros que faziam os seus jogos nas competições europeias a casas de diversão noturna com acompanhantes femininas. “Há uma história relacionada com o Benfica em que levaram uma equipa de arbitragem estrangeira a uma casa dessas em Lisboa”, lembra.

“Estavam todos bem acompanhados quando o árbitro se levantou e disse que ia para o hotel. Isto porque no outro canto da sala estava um cavalheiro afro-americano, o árbitro simpatizou com ele e saíram dali juntos.”

Coroado foi árbitro internacional e diz que também recebeu convites de clubes europeus para casas de diversão noturna: “Na Alemanha, como fiscal de linha, e na Roménia, já como árbitro. Cheguei a ir, sim. Sempre depois dos jogos. Era uma prática comum, nada de extraordinário. Se eu pudesse escolher, gostava era de ter logo um avião à porta do estádio para regressar a casa.”

Coroado garante, porém, que nem todos os árbitros pensavam assim: “Havia árbitros portugueses que se pelavam para ir lá fora. Eu ouvia as histórias e parecia esses devaneios turísticos eram mais importantes do que o jogo que iam fazer.”

O futebol é o ponto de partida neste podcast de conversas sem fronteiras ou destino agendado. Todas as semanas, à quinta-feira, Luís Aguilar entra no cockpit com um convidado diferente. A viagem começa agora porque Ontem Já Era Tarde.

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