O montinho ganhou patas e dirigiu-se a mim. Era tão pequenina e indefesa que soube de imediato que tinha de a ajudar.
Liguei para o abrigo para saber se a podíamos acolher. Infelizmente e invariavelmente estávamos cheios. Sem se ter onde colocar um animal de rua, que pode estar doente e colocar em risco a vida de todos os outros, o que podemos fazer? Não a podemos deixar na rua…
Passadas algumas horas regressei a casa com a pequena criatura enfiada numa transportadora. Estava muito apreensiva, afinal partilho o espaço com duas gatas adultas e ela tem de ficar isolada.
Enquanto fiz o meu trabalho no gatil e durante a viagem de regresso ela não fez um único movimento ou som. Parecia tranquila. Mais tarde percebi que estava sobretudo exausta. Passava das onze da noite quando, finalmente, chegámos a casa. Instalei a Aurora no seu abrigo provisório e fui descansar.
Na manhã seguinte, com mais tempo, lucidez e claridade tive possibilidade de a observar atentamente. Era uma gatinha muito pequenina, parecia serena embora o seu estado de saúde não fosse o ideal. Estava muito magra e desidratada - pesava um quilo e setecentos gramas.
Na primeira semana pouco mais fez que comer e dormir, aliás chegou a fazer ambos em simultâneo, a Aurora comia deitada e muitas vezes adormeceu com a cabeça dentro do prato. Passados alguns dias, a Aurora despertou, procurava contacto e carinho, os seus olhos grandes inocentes não demonstravam quaisquer receios, apenas curiosidade. Descobriu as bolinhas, os ratos e as fitas, corria louca em êxtase, como se quisesse agarrar aqueles momentos.
O que era temporário rapidamente se tornou definitivo, a Aurora cativou o meu coração e soube que não a queria deixar partir. Mas era provável que estivesse alguém à sua procura, afinal ela tinha chip. Imaginei inúmeros cenários. Ou pelo menos aqueles em que preferi acreditar. Quem sabe o que pode ter acontecido? Pode ter caído de uma janela, perdeu-se a caminho do veterinário, apanhou uma porta aberta e saiu de casa…. Certamente que é um animal estimado que se perdeu na rua. Ela é tão amistosa, um gato de rua nunca é tão meigo.
Estava redondamente enganada.
No veterinário fiquei a conhecer um bocadinho da sua história. Ao contrário do que pensei, a Aurora não é um bebé. Tem quatro anos e pertenceu a uma colónia sinalizada na zona de Odivelas, como chegou a Belas só ela sabe.
Desde muito cedo que os animais são uma presença constante na minha vida, mas desta vez foi diferente. Todos os outros foram escolhidos e adotados em abrigos após muita ponderação, a Aurora surgiu sem ser esperada ou desejada e despertou em nós um misto inexplicável de admiração e gratidão. Ela está sempre feliz, quer sempre muito brincar, aproveita todos os momentos que partilhamos para nos demonstrar a sua confiança e cumplicidade. Embora ainda não saiba muito bem lidar com os humanos, demonstra muita vontade de nos conhecer e mimar.
Com a família felina a adaptação foi fácil. De submissa perante os avanços intimidatórios da “Grande Líder Filipa” e indiferente à curiosidade do nosso “Buda – A Dona Bruma -” a Aurora passou a rainha da festa. É a primeira a saudar os humanos pela manhã, a primeira a recebê-los quando chegam, a primeira a trazer uma enorme parafernália de brinquedos para que comece a festa.
É extraordinário tudo o que um animal nos pode “dizer” sem proferir uma palavra. A Aurora pediu ajuda e hoje somos nós quem lhe agradece por nos ter escolhido. Acredito que são eles quem nos escolhe. E acredito sobretudo que podemos fazer a diferença. Nem todos teremos vontade ou possibilidade de lhes dar um lar permanente, mas podemos ajudar nem que seja temporariamente. Existem inúmeras necessidades nos abrigos e associações. Podemos colaborar na manutenção do espaço, na divulgação dos animais, nas deslocações ao veterinário, nas recolhas e transporte de bens angariados…
Há uma imensidão de tarefas que só requerem a nossa vontade, acreditem é possível fazer muito com quase nada.
Texto enviado por Carla Esteves Coelho
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