Recuperávamos todos da perda de entes queridos e procurávamos preencher os vazios com a companhia uns dos outros.
A seguir ao almoço, os miúdos estavam sempre desertos de ir jogar à bola para a rua. Havia na zona uma rua sem trânsito, rodeada por terrenos baldios, que se tornava no campo perfeito para andarem a correr atrás da bola.
Nós, os crescidos, fãs de jogos de tabuleiro, iniciámos uma partida. O jogo era com equipas, o primeiro a falhar era excluído e os restantes continuavam até só restar o vencedor.
Com o meu típico azar, arrastei a minha parceira de equipa para fora do jogo logo na primeira ronda. Decidi ir ver a futebolada dos miúdos.
Era habitual uma amiga que estava no almoço levar a Lucy, uma cadelinha de porte pequeno. Perguntei se podia levar a Lucy à rua. Peguei nela ao colo para atravessarmos a rua e, enquanto o fazíamos, vejo no baldio que nos separava dos miúdos umas orelhas aos saltos. Por entre a vegetação alta não consegui perceber o que era.
De repente salta um cão para os meus pés. Era muito enérgico, saltava a tentar cheirar a Lucy. O meu primeiro instinto foi protegê-la, mas percebi logo que era um cão dócil e brincalhão.
Perguntei aos miúdos se conheciam o cão e a resposta foi que devia ser um cão de rua, porque já o tinham visto uma vez ou duas por ali e no mesmo estado. O estado era… nauseabundo. Compensava em simpatia, traquinice e ao mesmo tempo humildade.
Eu que sempre adorei animais, aproveitei para brincar com ele e claro fazer imensas festas, apesar da sujidade impregnada no pelo que nem deixava perceber bem a sua cor.
E o cão por ali ficou, brincava comigo, andava atrás dos miúdos, tentava conquistar a Lucy. Não arredou pé o resto do tempo em que ali ficámos.
De regresso a casa, lembrei-me que os restos de cozido seriam um repasto para o cão e o argumento perfeito para a minha segunda intenção.
Havia uma amiga que tinha uma quinta com alguns cães, uma ótima solução para o “Nito”, nome que os miúdos lhe começaram a chamar. E a casa onde nos reuníamos era uma vivenda com dois rapazolas pequenos, na idade perfeita para terem um “ãomigo” de quatro patas. Seria portanto o lar perfeito.
Lá levámos o Nito para casa, comeu tudo aquilo a que tinha direito e encantou os presentes com o seu feitio dócil e brincalhão.
Comecei então a campanha para a sua adoção. O Nito tinha conquistado todos e eu não queria devolvê-lo à rua. Teria à volta de 1 ano e merecia uma vida digna. Tendo eu um gato com 15 anos, vivendo num apartamento e sem nunca ter tido um cão, precisava de convencer um dos restantes a ficar com ele.
Teci-lhe os maiores elogios, enalteci as suas qualidades, enumerei os benefícios de ter um cão na família, mas tudo com uma legitimidade precária. Afinal o que percebia eu do que era ter um cão? Sempre fui uma catlover, mas só tinha tido gatos na minha vida.
Não tive sucesso, dei-me como vencida e logo de seguida convencida.
Pedi para ficarem com ele um pouco, só enquanto dava um salto ao centro comercial, ali bem perto, para comprar o enxoval completo e a seguir levá-lo comigo para casa.
O espanto de todos revelou-se bem nas suas caras e ouvi vários: “Tens a certeza?” “Tu pensa bem!”. Estava decidida e começámos logo por escolher o nome do patudo: Kiko.
Com o enxoval no porta-bagagens só faltava iniciar a aventura e levar o Kiko para casa. Ajudaram-me a pô-lo no banco da frente ao meu lado e imediatamente deitou-se com o focinho em cima da minha perna direita e assim se manteve até chegarmos a casa, comigo a fazer-lhe festas.
Foi direto para a banheira e descobri a sua pelagem amarela. Depois de estar bem seco, coloquei-o na cama dele e caí em mim.
Tenho um cão e ele está exatamente com quem devia estar. Vim a perceber, aos poucos, o vazio enorme que havia na minha vida e que o Kiko começou por preencher. Digo que começou, porque o cão que não era para mim, foi só o início de uma numerosa e maravilhosa aventura.
Afinal, o cão era para mim.
Texto de Paula Antunes
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