170 figuras da cultura nacional subscreveram esta quarta-feira uma carta aberta ao Governo português instando-o a "fazer tudo ao seu alcance" para garantir que a Flotilha Global Sumud entregará em Gaza a ajuda humanitária que transporta.
Na missiva, intitulada "Carta aberta ao Governo português pelo cumprimento do Direito Internacional", os signatários destacam - de uma série de comunicados emitidos nos últimos dias pelo executivo israelita, dirigidos à flotilha - uma publicação na rede social X em que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Gideon Saar, declara que irá deter a flotilha, impedindo-a de entregar a ajuda humanitária que transporta.
"Com esta ameaça, o Governo de Israel procura intimidar os cidadãos que integram esta missão, bem como normalizar a possibilidade de uma intervenção violenta, que configuraria uma nova violação do Direito Internacional", sustentam os subscritores do texto, encabeçados pelos três portugueses que seguem na flotilha: a deputada Mariana Mortágua, o ativista Miguel Duarte e a atriz Sofia Aparício.
Partida no início de setembro de Barcelona, na costa nordeste de Espanha, a flotilha denunciou ter sido, até agora, alvo de ataques com 'drones' (aeronaves não-tripuladas) ao largo de Tunes e, depois, ao largo da Grécia.
A Flotilha Global Sumud, composta por cerca de 50 navios com ativistas, políticos, jornalistas e médicos de mais de 40 nacionalidades, e considerada a maior flotilha organizada até ao momento, pretende chegar a Gaza para levar ajuda humanitária e quebrar o bloqueio naval israelita, após duas tentativas barradas por Israel em junho e julho.
Governo de Israel promete barrar flotilha
O Governo israelita afirmou na segunda-feira que não permitiria que a flotilha chegasse a Gaza, quase há dois anos alvo de uma guerra, propondo-lhe atracar no porto da cidade israelita de Ascalon, a norte do enclave palestiniano, e transferir a ajuda, que afirmou se encarregaria de fazer chegar ao destino.
"Recordamos que esta é uma missão pacífica (...) integrada por civis de mais 40 países. Na embarcação onde segue a delegação portuguesa, encontram-se cidadãos de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Turquia, Itália, Austrália, Brasil, Marrocos, Estados Unidos e outros. Somos jornalistas, médicos, professores, atores, antigos presidentes de câmara, marinheiros, e transportamos apenas comida e medicamentos", sublinham.
Por isso, em primeiro lugar, instam o Governo português a "repudiar as declarações emitidas por membros do Governo israelita, que anunciam a intenção de impedir a entrega de ajuda humanitária", argumentando que "tais ações constituem uma flagrante violação do Direito Internacional".
Em segundo lugar, apelam ao executivo português para que faça o possível para garantir "que a flotilha chega ao seu destino e que a integridade dos seus passageiros, entre os quais três cidadãos portugueses, é assegurada".
Flotilha foi alvo de ataques
Este apelo surge na sequência dos ataques armados de que a flotilha tem sido alvo e de, em junho, Israel ter detido no mar - segundo a organização, em águas internacionais - os navios da Flotilha da Liberdade que tentavam chegar a Gaza e ter deportado os seus membros, alguns dos quais depois de uma passagem por prisões israelitas.
Por último, os subscritores da carta exortam o Governo de Portugal a "cumprir a sua obrigação de realizar todos os esforços para travar o genocídio em curso [na Faixa de Gaza], incluindo através da aplicação de sanções a Israel".
E salientam ainda que "16 Estados, entre os quais Espanha, Irlanda e Eslovénia, já tomaram posição oficial sobre a legitimidade e legalidade da missão desta flotilha, tendo declarado: 'Qualquer violação do Direito Internacional e dos Direitos Humanos dos participantes da flotilha, incluindo ataques contra navios em águas internacionais ou detenções ilegais, dará lugar à prestação de contas'".
A guerra declarada em Gaza para "erradicar" o movimento islamita palestiniano Hamas - depois de o seu ataque a Israel fazer cerca de 1.200 mortos e 251 reféns - fez, até agora, pelo menos 65.419 mortos, na maioria civis, e 167.160 feridos, além de milhares de desaparecidos, presumivelmente soterrados nos escombros e também espalhados pelas ruas, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções, segundo números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Prosseguem também diariamente as mortes por fome, causadas por mais de dois meses de bloqueio de ajuda humanitária e pela posterior entrada a conta-gotas de mantimentos, distribuídos em pontos considerados "seguros" pelo Exército, que regularmente abre fogo sobre civis famintos, tendo até agora matado 2.531 e ferido pelo menos 18.531.
Há muito que a ONU declarou o território em grave crise humanitária, com mais de 2,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" e "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo, mas a 22 de agosto emitiu uma declaração oficial do estado de fome na cidade de Gaza e arredores.
Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU acusara Israel de genocídio em Gaza e de usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), e uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais e israelitas de defesa dos direitos humanos.