No final do ano passado, tornaram-se públicas as disputas pela liderança do Banco Espírito Santo (BES) entre Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi, presidente do BES Investimento e administrador do BES.
Apesar das tréguas públicas que as partes fizeram, o tema da sucessão não voltou a sair da agenda e os últimos episódios voltaram a pô-lo no centro do debate. Numa entrevista recente ao Negócios, quando questionado sobre como estavam as suas relações com Ricciardi, Salgado respondeu: "O Zé Maria está sempre razoável, está sempre na sua, no banco de investimento".
Hoje, tornou-se quase certa a saída de Ricardo Salgado da presidência executiva do BES. Ao início da tarde, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) publicou a convocatória para a assembleia geral da instituição, que aponta o atual administrador financeiro do BES, Amílcar Morais Pires, como o nome proposto para ser o novo presidente executivo do banco.
Já Ricardo Salgado deverá vir a presidir um novo órgão do banco, o conselho estratégico, que contará também com José Maria Ricciardi, entre outros.
Cronologia dos principais acontecimentos que levaram à saída de Ricardo Salgado do BES:
2012
Ricardo Salgado aderiu à amnistia fiscal em 2012 no âmbito do chamado caso "Monte Branco" fazendo três correções à declaração de rendimentos de 2011 e pagando mais 4,3 milhões de euros em IRS.
2013
O Grupo Espírito Santo (GES), que detém, entre outros ativos financeiros e não financeiros, o BES e a seguradora Tranquilidade, viveu, no final do ano passado, uma luta de poder e foram mesmo tornadas públicas as desavenças entre Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi, que era apontado para suceder a Salgado.
A 11 de novembro de 2013, os dois primos emitiram uma declaração conjunta a anunciar um entendimento sobre o processo de sucessão na liderança do grupo.
Fevereiro de 2014
O BES apresenta prejuízos históricos de 518 milhões de euros em 2013, depois de ter registado um lucro de 96 milhões de euros. em 2012.
Maio de 2014
- Dia 15:
A Espírito Santo Financial Group (ESFG) e o grupo francês Crédit Agrícole anunciam ao mercado a dissolução da 'holding' BESPAR, através da qual controlavam o BES, passando a ter participações diretas no banco.
A extinção da BESPAR poderá ter sido o tiro de partida para o fim da aliança entre a família Espírito Santo e o banco francês, parceiro histórico desde o início da década de 1990.
O fim da BESPAR fez com que a ESFG e o Crédit Agricole passassem a ter participações diretas no BES tornando ainda o banco permeável a uma OPA (Oferta Pública de Aquisição).
No primeiro trimestre, o resultado líquido negativo do banco foi de 89 milhões de euros.
- Dia 21:
É publicado o prospeto relativo ao aumento de capital do BES que revela várias informações relativas ao universo Espírito Santo:
- Irregularidades nas suas contas Espírito Santo Internacional (ESI)
O prospeto do aumento de capital de 1.045 milhões de euros do BES, divulgado na CMVM, revela que a auditoria pedida pelo Banco de Portugal às contas da Espírito Santo Internacional (ESI), de 30 de setembro de 2013 e 31 de dezembro de 2013, "apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira grave".
A comissão de auditoria da Espírito Santo Financial Group "identificou igualmente irregularidades materialmente relevantes nas contas" da 'holding'.
Já este ano, por imposição do Banco de Portugal, a ESFG inscreveu uma provisão extraordinária de 700 milhões de euros nas contas de 2013. A preocupação do supervisor era de que várias empresas não financeiras do grupo Espírito Santo, caso da Espírito Santo International, não tivessem capacidade de reembolsar o papel comercial colocado junto de clientes do BES.
O prospeto do aumento de capital refere que, quanto aos instrumentos de dívida da ESI e de suas subsidiárias subscritos por clientes do BES, "a 19 de maio de 2014, o valor dos instrumentos de dívida detidos por investidores não institucionais ascendia a 395 milhões de euros, enquanto o valor detido por investidores institucionais ascendia a 564 milhões de euros".
- Reorganização do grupo -
O prospeto do aumento de capital refere ainda que a ESI tem "em marcha um programa de reorganização do seu grupo e de desalavancagem" para "reequilibrar a sua situação financeira" e "proceder ao reembolso do passivo".
- BES Angola -
O prospeto centra-se ainda na situação do BES Angola, operação com que o banco liderado por Ricardo Salgado tem tido alguns problemas e em que, em dezembro do ano passado, foi realizado um aumento de capital de 500 milhões de dólares (cerca de 365 milhões de euros).
Em específico, o BES refere-se à garantia prestada pelo Estado angolano em relação a operações realizadas com empresas angolanas.
Essa garantia soberana, de 5.700 milhões de dólares (cerca de 4.200 milhões de euros) foi acordada no final de 2013 e serve para proteger o banco de possíveis atrasos e incumprimentos por parte das empresas. No entanto, o banco ainda está à espera da autorização do Banco de Portugal, pelo que ainda não está refletido o impacto positivo dessa garantia nos rácios de capital do BES.
- Processos de Investigação
Sobre investigações ao grupo, o prospeto do aumento de capital do BES refere o alegado envolvimento do banco da Florida (EUA) em "atividades ilícitas" e alegadas violações da lei espanhola de branqueamento de capitais pelas quais o banco foi multado em 1,2 milhões de euros e que contestou.
Somam-se-lhes a "necessidade de revisão de procedimentos" na prevenção do branqueamento de capitas na sucursal do BES de Londres e as buscas da Autoridade da Concorrência a vários bancos em Portugal para recolher provas sobre troca de informação sensível.
O documento aborda processos sobre administradores e quadros do BES, mas sem referir nomes, como o de administradores investigados por operações de 'insider tranding'. O banco diz que está colaborar com a justiça para clarificar que tudo foi feito de acordo com a lei.
- Dia 21:
O jornal Expresso noticiou que a administração do BES vai mudar até 30 de junho, com a entrada de mais administradores independentes.
- Dia 22:
Em entrevista ao Jornal de Negócios, Ricardo Salgado disse: "Todos nós cometemos erros no grupo". A frase serviu de título à entrevista que o banqueiro deu àquele jornal.
Segundo Salgado, a "crise bateu forte e bateu no grupo", o que levou a uma "menor atenção na área não financeira" para se focarem no banco.
O presidente do BES disse que também ele foi responsável pela situação a que o grupo chegou, mas afirmou que a culpa é coletiva: "Nós cometemos erros, todos nós cometemos erros e eu assumo que o grupo cometeu erros, mas erros provocados pela nossa estrutura e organização no topo, à qual deveríamos ter prestado mais atenção".
Apesar de fazer 'mea culpa', Ricardo Salgado recusa demitir-se: "Não acho que me devia demitir", disse, afirmando que há mais ramos da família envolvidos na gestão da ESI.
Em específico sobre os problemas detetados na ESI, Salgado disse que o responsável pela contabilidade da empresa ("comissaire aux comptes") assumiu os erros cometidos, depois de ter perdido "o pé no meio desta crise", e que pediu a demissão. O contabilista é Francisco Machado da Cruz.
Ricardo Salgado considerou que o que houve na ESI foi "negligência grave": "Dolo acho que não. Uma coisa que a (auditora) KPMG apurou é que também não houve desvios de dinheiro", afirmou.
Ricardo Salgado foi questionado sobre a alegada comissão de 8,5 milhões de euros que terá recebido de um construtor em Angola e que não terá sido declarada ao fisco. Em resposta disse já ter prestado todos os esclarecimentos: "Não fui acusado de nada, não sou arguido de nada. Já prestei todas as declarações as autoridades quando foi caso disso".
Sobre a operação em Angola, onde o grupo detém 55,7% do capital no BES Angola, Salgado admite, na entrevista ao Negócios, que houve problemas na gestão do banco africano -- "por isso é que a gestão foi mudada" -- e que se enganou sobre Álvaro Sobrinho, o ex-presidente do BESA.
Afirmou ainda que foi a falta de ligação aos serviços informáticos ao BES Angola que não permitiu perceber os problemas mais cedo.
Já quanto à venda da Escom, Salgado disse, na entrevista, que está "à espera que a operação seja consumada", algo que se vem arrastando há já quatro anos.
A operação da venda da Escom pelo Grupo Espírito Santo à petrolífera angolana Sonangol foi acordada e sinalizada em 2010, mas o negócio ainda não foi concretizado e pago na totalidade, apesar de o grupo português já não ter o controlo da empresa. A ESCOM é um dos maiores investidores em Angola com interesses desde a exploração de mineração à construção.
No ano passado, tornou-se pública a disputa que opunha o GES ao grupo de Pedro Queiroz Pereira (presidente da Semapa) e que acabou com as partes a terminarem com o cruzamento de posições entre os grupos que existia.
Questionado, na entrevista ao Negócios, sobre se os problemas detetados na ESI não tiveram a ver com documentos que Pedro Queiroz Pereira terá entregue ao Banco de Portugal, Salgado não se alongou e preferiu não entrar por esse tema.
"O Pedro Queiróz Pereira... Eu não sei quais foram os documentos que ele entregou ao Banco de Portugal. Li na imprensa que ele terá entregue, eventualmente, alguns documentos ao Banco de Portugal. Mas eu gostava de não ter de comentar o sr. Pedro Queiróz Pereira", afirmou o banqueiro.
- Dia 23:
Segundo o Expresso, que teve acesso ao relatório da auditoria interna, a ESI não registou 1,2 mil milhões de euros de dívidas nas contas de 2012. Além disso, tinha capitais próprios negativos de 2,5 mil milhões de euros.
- Dia 27:
O BES arranca com um aumento de capital de até 1.045 milhões de euros, com cada título a ser vendido a 0,65 euros, marcado pelo prospeto que confirma as irregularidades nas contas da 'holding' Espírito Santo Internacional.
Junho de 2014
- Dia 11:
O aumento de capital foi totalmente subscrito com a procura a superar a oferta.
Questionado pela Lusa sobre se cumpriria o mandato até ao fim (termina em 2015), Ricardo Salgado preferiu não "entrar agora nesse capítulo".
- Dia 17:
As novas ações começaram a ser negociadas. O objetivo da operação foi reforçar os rácios de capital do banco, que será um dos bancos portugueses submetido aos exercícios do Banco Central Europeu (BCE).
- Dia 19:
CMVM quer que BES esclareça, antes da abertura da bolsa de dia 20, se se confirmam as notícias que apontam para a saída de Ricardo Salgado da liderança do banco e a convocatória de assembleia geral para o efeito.
- Dia 20:
Regulador suspende de manhã a negociação das ações do BES e do ESFG até à divulgação de informação relevante sobre a saída de Ricardo Salgado da liderança do banco.
Ao início da tarde, a CMVM publica a convocatória para a assembleia geral da instituição, que aponta o atual administrador financeiro do BES, Amílcar Morais Pires, como o nome proposto para ser o novo presidente executivo do banco, substituindo Ricardo Salgado.
Já Ricardo Salgado deverá vir a presidir um novo órgão do banco, o conselho estratégico, que contará também com José Maria Ricciardi, entre outros.
Esta é uma das propostas que o maior acionista do Banco Espírito Santo (BES), o Espírito Santo Financial Group (ESFG), que conta com 25,1% do capital social, vai submeter à aprovação dos acionistas numa assembleia-geral extraordinária agendada para 31 de julho.
Na reunião magna será decidida uma alteração dos estatutos do BES, "de modo a criar um novo órgão estatutário, denominado conselho estratégico, destinado a assistir o conselho de administração na definição da estratégia societária".
A ESFG propõe que, para o novo órgão, sejam eleitos Ricardo Salgado, como presidente, José Manuel Espírito Santo Silva, José Maria Ricciardi, Ricardo Abecassis e Pedro Mosqueiro do Amaral. Todos estes responsáveis integram atualmente o conselho de administração do BES e vão manter-se em funções até à data da assembleia geral.
A 'holding' para a área financeira do Grupo Espírito Santo (GES) propõe também aos acionistas a eleição para o conselho estratégico de Patrick Monteiro de Barros, "ao qual poderão acrescer outros membros que venham a ser propostos por acionistas de referência".
Lusa