Europeias 2024

Desde citar António Costa a acusações de “populismo”, houve de tudo no debate entre CDU, BE, Livre e IL

João Oliveira, Catarina Martins, Francisco Paupério e João Cotrim de Figueiredo foram os candidatos protagonistas do terceiro debate televisivo das eleições europeias. 

Rita Carvalho Pereira

Os candidatos da CDU, do Bloco de Esquerda, do Livre e da Iniciativa Liberal às eleições europeias estiveram, esta noite, em debate, na TVI. Um confronto que opôs um liberal a três frentes de esquerda (unida?), e em que Cotrim de Figueiredo aposto no despique mais aceso com João Oliveira, e ocasionalmente com Francisco Paupério - com acusações de “populismo” -, mas em que também se viu Catarina Martins a subir o tom – e até a citar desde António Costa a Angela Merkel.

O Euro

Foi o candidato da CDU a inaugurar o debate para falar daquela que tem sido uma das posições mais controversas dos comunistas: a saída de Portugal da moeda única. João Oliveira defendeu que o país deve libertar-se das de políticas associadas ao euro que, afirma, “têm prejudicado o país e são obstáculo à melhoria das condições de vida do povo”.

“Há países dentro da União Europeia que não têm o euro. Vive-se pior nesses países? Não”, atirou o candidato comunista.

Essa saída, ressalva, deve, aos olhos do PCP, acontecer “num prazo dilatado”, tendo de haver “medidas e decisões” a serem tomadas para preparar tal cenário. “Não podemos baixar os braços”, apontou.

“A Comissão Europeia tem instrumentos para controlar o nosso orçamento do Estado. Faz-se de conta que isto não existe?”, questionou ainda João Oliveira, que critica a disparidade de critérios na aplicação das regras entre os Estados-membros.

“Há outros países que se estão borrifando para as regras”, acusou, apontando o exemplo da França. “Quando não cumprem as regras, há uns mais filhos do que outros.”

João Cotrim de Figueiredo acusa o PCP de defender a saída do euro, mas não saber como fazê-lo. “Assumam que não querem estar na União Europeia”, lançou em tom de desafio a João Oliveira.

O cabeça de lista da Iniciativa Liberal considera que argumentar, como fazem os comunistas, que estar fora do euro permite ter taxas de juro mais baixas “roça a ignorância económica”.

Para o candidato liberal, o Banco Central Europeu deve usar os mecanismos que tem à disposição para manter o equilíbrio - “e tem-no feito”.

Cotrim de Figueiredo argumentou que “gostaríamos ainda menos se as taxas estivessem baixas e a inflação alta”, sublinhando que seria “o fim da UE” se o banco central não fosse independente – uma indireta bem direcionada, pelo próprio, para o Bloco de Esquerda.

“Estou a ouvir um liberal dizer que há uma instituição que manda na nossa vida e que não deve ser escrutinada”, respondeu a cabeça de lista do Bloco de Esquerda.

Catarina Martins defendeu que o Parlamento Europeu não deve apenas omitir opinião, mas ter posição vinculativa sobre o Banco Central Europeu – que, atualmente, afirma “só responde ao sistema financeiro”.

“O Banco Central Europeu faz o que quer, o Parlamento Europeu faz uns relatórios e eles vão para o lixo”, resume.

A candidata do Bloco de Esquerda questiona também se o organismo é mesmo “independente” e “de quem”, quando “salva bancos, contra os direitos das famílias”.

Numa citação inesperada, Catarina Martins recorreu a palavras ditas, no passado, pelo ex-primeiro-ministro António Costa, quando referiu que “o euro foi o maior bónus que a Europa ofereceu à Alemanha”.

Mas, quanto à eventual saída da moeda única, ao contrário de posições assumidas no passado, o Bloco de Esquerda acredita agora que “não faz sentido”.

“O mundo mudou”, admitiu, apesar de afirmar que foram os “eurocríticos” quem construiu soluções para que ele mudasse.

Em alternativa, aponta Catarina Martins, o país deve é ter “alianças” para defender a economia, os salários e os serviços públicos.

O candidato estreante nestas eleições, Francisco Paupério, concordou que o Banco Central europeu deve ter uma proximidade ao Parlamento Europeu.

O cabeça de lista do Livre notou que o partido é “convictamente europeísta”, apesar de reconhecer que a União Europeia tem muito para melhorar.

Admitindo que Portugal “certamente não foi beneficiada em tudo”, Paupério prefere apontar aquelas que diz serem conquistas da entrada do país na União - da melhoria do saneamento básico, ao aumento dos salários (apesar de, ressalvar, não acompanharem o salário médio alemão).

Salários

E se é de salários que se fala, o Livre tem uma proposta diferente, na qual não é acompanhado nem pelos liberais nem sequer pela restante esquerda. Trata-se de estabelecer um valor de salário mínimo obrigatório europeu - mas que, esclarece Francisco Paupério, “não seria o mesmo para toda a UE, seria de acordo com as especificidades de cada país”.

Neste momento, argumenta, há países que não têm salário mínimo efetivo e estão a viver abaixo do limiar da pobreza - daí a necessidade de a medida ser implementada.

Em Portugal, por exemplo, o Livre defende que o salário mínimo deveria corresponder a 80% do valor do salário mínimo espanhol.

O cabeça de lista do Livre admite que o aumento da produtividade não acompanhou o aumento dos salários, mas, sim, os lucros das grandes empresas e dos bilionários.

Para alterar o cenário atual, Francisco Paupério defende que a transição verde seja aproveitada como oportunidade de negócio e criadora de empregos.

Também Catarina Martins fala no aumento das desigualdades entre uma “minoria hiper-rica" e o resto da população e apela ao investimento público em setores estratégicos.

Já quanto à proposta de salário mínimo europeu, admite ter “muitas dúvidas”, afirmando que em países como Portugal, onde o salário médio é muito baixo, o salário mínimo poderia baixar ainda mais.

Uma opinião partilhada por João Oliveira, que apela ao aumento dos salários, não “por decreto”, mas “por negociação”.

“Na União Europeia, o nivelamento tem sido por baixo”, apontou, atirando até contra o Bloco de Esquerda, pelo sentido em que tem votado em Bruxelas, no que a este ponto diz respeito.

O candidato da CDU considera que os salários mais altos devem ser um critério e um objetivo de desenvolvimento do país, permitindo uma mais justa distribuição de riqueza.

E é então que entra em cena o liberal Cotrim de Figueiredo: “Se houvesse literacia financeira, nenhuma pessoa percebia as propostas destes partidos”.

João Cotrim de Figueiredo acusa os adversários de “populismo de esquerda”. “É apelar à inveja”, atirou, considerando que os adversários à frente na mesa têm mais “ódio ao lucro” do que “amor às pessoas”.

“Acredito muito mais nos portugueses do que o João Oliveira. Acredito que nos safamos muito bem com a concorrência aberta”, afirmou.

O candidato liberal defendeu que a única forma de aumentar salários é com economia a crescer, e que isso não tem acontecido porque a Europa é “campeã da burocracia”, em vez de campeã na inovação.

João Cotrim de Figueiredo afirma mesmo que, se a União Europeia não mudar de estratégia rapidamente, “daqui a pouco tem o problema que Portugal já tem: jovens qualificados a emigrar para outros blocos”.

Na perspetiva do liberal, foi o mercado único e a liberdade de circulação que fizeram a Europa crescer e sublinhou a necessidade de mais “criação de riqueza”, quando o restante painel falava sobre “distribuição da riqueza”.

“Dito a partir de conselho de administração de uma multinacional ou de um banco, está tudo bem”, respondeu-lhe o candidato da CDU.

Fundos Europeus

O dinheiro que chega de Bruxelas foi o tema escolhido para encerrar o debate, com o candidato do Livre a focar-se nas questões da política agrícola. Francisco Paupério considera que a Política Agrícola Comum protege as grandes empresas, em vez de apoiar os pequenos agricultores – e isso, sustenta, é uma realidade que tem de mudar.

Para tal, nota o cabeça de lista do Livre, há que mudar método de fazer agricultura – apostando em práticas de agricultura sustentável e agricultura de precisão, para reduzir a distância das cadeias de alimentação e passar a aplicar uma agricultura local melhor adaptada em termos climáticos. Estas, sublinha, têm de ser políticas integradas, para combater a insegurança alimentar e as crises de inflação.

Quanto a João Cotrim de Figueiredo, afirma que é preciso “aproveitar os fundos enquanto eles ainda existem”.

O candidato da Iniciativa Liberal considera também que a fiscalização atual da aplicação dos fundos “não é suficiente”.

Neste sentido, Catarina Martins defende medidas de combate à corrupção. Mas, para a cabeça de lista do Bloco, é importante também referir a questão do alargamento da União Europeia, com a entrada de novos Estados-membros. E, aponta Catarina Martins, “não há mais Europa sem mais orçamento”.

Contrariando a ideia de que, dentro da União, há “contribuintes e beneficiários”, Catarina Martins faz a segunda citação surpreendente da noite, agora recorrendo às palavras da antiga chanceler alemã Angela Merkel, para dizer que “a Alemanha não teria os excedentes que tem, se não fosse a União Europeia”.

João Oliveira considera que “os fundos europeus não são um Euromilhões”, mas um mecanismo para compensar os Estados-membros mais prejudicados.

“E, em Portugal, os fundos que recebemos não servem para compensar o que somos prejudicados”, conclui.

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