Desde que os combates entre grupos armados e o Governo escalaram em fevereiro de 2024, a cidade de Port-au Prince, capital do Haiti, ficou transformada num palco de violência e insegurança que forçou dezenas de milhares de pessoas a fugir de casa nos últimos meses.
Muitas encontraram refúgio em abrigos sobrelotados estabelecidos pela cidade, com condições de habitabilidade insalubres, onde faltam serviços de água, saneamento e higiene. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem intensificado os esforços para colmatar estas lacunas.
Há mais de 578 mil pessoas deslocadas no Haiti. Cerca de 112 mil estão atualmente a viver em 96 locais improvisados na área metropolitana de Port-au-Prince: escolas, igrejas, complexos desportivos. Em muitos desses locais, o abastecimento de água é inexistente, assim como as instalações sanitárias. Por outro lado, o risco de doenças transmitidas em águas não tratadas torna-se prevalente.
Como parte de uma resposta de emergência, a MSF forneceu mais de 4,5 milhões de litros de água limpa em 15 locais distintos e capacitou os líderes desses locais sobre os processos de cloração e higienização da água. Além disso, as equipas da organização construíram ou renovaram nove latrinas e nove chuveiros de emergência, assim como distribuíram kits de higiene.
Nesses locais, onde o acesso a águas tratadas e a latrinas é inadequado, as clínicas móveis da MSF prestaram tratamento a centenas de pessoas por doenças transmitidas pela água, como a diarreia aquosa aguda e a sarna. A cólera permanece uma ameaça constante e significativa nestas condições, com o número de pacientes da doença a aumentar progressivamente em Port-au-Prince desde 2022.
Contudo, as necessidades de água tratada e de serviços de saneamento nos locais onde as pessoas se têm refugiado vão muito além daquilo que a Médicos Sem Fronteiras pode fornecer.
“Este acampamento foi estabelecido no dia 12 de fevereiro. No início, recebemos 30 pessoas, mas, três horas depois, já tínhamos aqui 1.354 deslocados”, avança Banatte Daniel, líder de um acampamento improvisado numa escola. “Apesar da ajuda da MSF, as condições são muito difíceis. A comunidade internacional tem de reforçar o apoio a estas pessoas em vulnerabilidade, para evitar uma grande catástrofe.”
Marie-Ange tem 52 anos e vive num dos locais improvisados pela cidade. Explica que encontrar água potável é um desafio constante: “Às vezes, a água que temos causa problemas de pele, mas não temos outra escolha senão usá-la.”
Apelo à ajuda internacional
O próximo passo da resposta de emergência passará por identificar entidades que possam continuar a fornecer água nos 15 locais apoiados pela MSF, visto que a prestação de apoio da organização deve terminar após 31 de agosto.
“Como organização médica de emergência, intervimos para preencher lacunas nos serviços de água e saneamento, quando a situação de saúde se tornou crítica, e nenhuma outra entidade conseguiu responder”, frisa a coordenadora do projeto da MSF, Sophie Mealier.
“Agora que o acesso aos locais improvisados melhorou, é hora de outras organizações responderem às necessidades das pessoas, enquanto continuamos a focar-nos em áreas mais difíceis de alcançar e em necessidades críticas de saúde”, explica Mealier.
Mas a deslocação das pessoas nos acampamentos improvisados é prolongada. Muitas não conseguirão regressar a casa assim tão cedo, o que levanta novos desafios para a resposta humanitária.
“A maioria dos locais tem problemas significativos de água, saneamento e higiene”, lembra o supervisor do projeto de água e saneamento da MSF, Frenso Désir.
“Enquanto a MSF fornece água potável e outros serviços, o saneamento continua a ser um grande problema. A gestão de resíduos é outra questão persistente, exacerbada pelo controlo dos grupos armados sobre os locais usados para eliminá-los.”
A MSF insta a que participem mais entidades na resposta humanitária, para atender às necessidades das populações deslocadas decorrentes da falta de serviços de água, saneamento e higiene, mas não só. É necessário mais apoio com o transporte de água, reabilitação de latrinas e chuveiros, distribuição de kits de higiene e promoção de saúde.
É também urgentemente necessário que outras entidades e organizações aloquem recursos suficientes para garantir a segurança e a dignidade das pessoas deslocadas pela violência.