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Mulheres enfrentam enormes desafios de saúde no Noroeste da Síria

Ratiba foi diagnosticada com desnutrição durante a gravidez, sofre de “tonturas contínuas, hipertensão e fadiga”.

SIC Notícias

Médicos Sem Fronteiras

Num dia chuvoso e frio, uma mulher chega com o marido numa moto a um hospital no governorado de Idlib, no Noroeste da Síria, onde a Médicos Sem Fronteiras (MSF) presta apoio. A mulher chama-se Ratiba e está ali para dar à luz. É deslocada interna e tem quatro filhos, três dos quais nasceram durante o conflito na Síria, criados numa tenda e com a família a enfrentar imensas dificuldades para conseguir o sustento.

Como milhares de outras mulheres na Síria, Ratiba foi diagnosticada com desnutrição durante a gravidez (um número recorde de 265 mil mulheres grávidas e lactantes com desnutrição aguda foi registado em 2021 na Síria). Conta que, por isso, sofre de “tonturas contínuas, hipertensão e fadiga”.

Atualmente, no Noroeste da Síria vivem quatro milhões de pessoas, incluindo 2,7 milhões de deslocados internos, 80 por cento dos quais são mulheres e crianças. Ao longo de mais de uma década, a MSF tem visto em primeira mão como as mulheres – e toda a população – são afetadas diretamente pelos impactos do conflito e das suas consequências.

Muitas pessoas vivem em condições precárias e em insegurança alimentar – são 12 milhões de pessoas no país, cerca de 54 por cento da população total, que se encontram em situação de insegurança alimentar em 2022 (um aumento de 51 por cento em comparação com 2019). E a violência com base no género e o casamento precoce agravam ainda mais as vulnerabilidades das mulheres. “Mesmo fases normais na vida de uma mulher, como a menstruação, a gravidez ou a amamentação, tornam-se num fardo muito complexo”, explica a coordenadora médica da MSF na Síria, Teresa Graceffa.

O acesso a cuidados de saúde constitui outro grande desafio devido à insegurança, às longas distâncias para chegar a estruturas de saúde e aos custos dos serviços e dos transportes. “Uma mulher vinda de longe teve recentemente o parto à entrada de um hospìtal apoiado pela MSF”, conta a referente médica da MSF na Síria, Caroline Masunda. “Ela estava à espera de conseguir dinheiro suficiente para pagar o transporte, uma vez que não havia nenhuma ambulância disponível. Isto é preocupante porque chegar tardiamente para um parto pode resultar em complicações médicas tanto para a mãe como para o bebé.”

Onze anos de guerra tiveram um custo elevado também na saúde mental das mulheres, e muitas estão a debater-se com ansiedade, depressão e distúrbio de stress pós-traumático. A maioria das mulheres e raparigas adolescentes que recebem apoio psicológico nas estruturas da MSF dizem que os transtornos de que sofrem estão direta ou indiretamente relacionados com o conflito. “Recentemente, encaminhei uma deslocada de 25 anos e com cinco filhos para um especialista em saúde mental porque ela apresentava sintomas de depressão. Estava de tal forma dominada pela tristeza que não era sequer capaz de amamentar o seu recém-nascido”, explica a promotora de saúde da MSF Soumaya*.

Um frágil sistema de saúde

A Médicos Sem Fronteiras providencia serviços de saúde sexual e reprodutiva às mulheres no Noroeste da Síria desde 2012. Aqui estão englobados cuidados pré-natais e pós-natais e de recém-nascidos, gestão de partos, incluindo cesarianas, consultas de ginecologia, planeamento familiar e apoio em saúde mental. Em 2021, a organização médico-humanitária assistiu mais de 18 mil partos nos governorados de Alepo e de Idlib e prestou mais de 200 mil consultas de saúde sexual e reprodutiva em hospitais, centros de saúde e clínicas móveis coadministrados ou apoiados pela MSF.

Apesar de as necessidades humanitárias continuarem a aumentar, o frágil sistema de saúde no Noroeste da Síria enfrenta desafios estruturais e as lacunas no financiamento permanecem um enorme desafio.

Nos campos de pessoas deslocadas internas que as equipas da MSF visitam, as mulheres expressam regularmente preocupações com a diminuição na disponibilidade de serviços de cuidados maternos e infantis. “Cada vez que vamos ao hospital mais próximo, vemos menos médicos e menos enfermeiros e a maioria dos serviços estão frequentemente indisponíveis”, descreve Fatima*, mãe de sete crianças, que teve recentemente um aborto espontâneo. “Soube entretanto que o hospital em que a minha filha nasceu está agora encerrado”, acrescenta.

Ao longo do último ano, a MSF viu vários projetos e estruturas de saúde diminuírem as suas atividades ou mesmo fechar após terem ficado sem fundos. Além disto, durante o conflito, centenas de estruturas médicas foram danificadas ou destruídas. Muitos profissionais médicos foram mortos ou fugiram do país. Medicamentos e provisões médicas essenciais não estão muitas vezes disponíveis. Tudo isto tem tido um impacto negativo no acesso a serviços essenciais para grávidas e recém-nascidos.

Resposta reforçada

Para ajudar a fazer face a estas necessidades, a MSF reforçou as atividades de forma a dar resposta a um aumento em 50 por cento nos partos feitos em três dos hospitais que co-gere e onde os partos por cesariana triplicaram em 2021. Este acréscimo manteve-se nos primeiros dois meses de 2022.

No Noroeste da Síria, a MSF providencia apoio atualmente em sete hospitais, incluindo numa unidade de queimados, e em 12 centros de saúde primários e três ambulâncias para encaminhamentos. É também prestada assistência em 11 clínicas móveis em campos de pessoas deslocadas internas e são desenvolvidas atividades de água e saneamento em quase 100 destes campos por toda a região do Noroeste da Síria.

A organização médico-humanitária apoia ainda programas de vacinação em 12 locais no Noroeste da Síria. Gere uma clínica de cuidados primários de saúde, um programa de doenças não contagiosas, cuidados móveis para feridos e uma unidade de tratamento de água para a distribuição de água potável segura no campo de deslocados internos de Al-Hol. É ainda feita a gestão de duas clínicas de doenças não contagiosas e são providenciados serviços de cuidados primários de saúde, incluindo para a tuberculose, num centro de detenção. Além disso, a MSF presta apoio num hospital e num serviço ambulatório, que integra serviço de urgências, e foi também lançado um programa de nutrição.

Mesmo com todos os esforços feitos, é claro que a resposta humanitária fica aquém das necessidades existentes e que é urgente aumentar o financiamento de atividades que salvam vidas, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva no país. “As mulheres no Noroeste da Síria precisam da prestação a longo termo de serviços de saúde sexual e reprodutiva para puderem viver de forma saudável. Este não é seguramente o momento para as desapontar”, frisa o médico e coordenador-geral da MSF na Síria, Faisal Omar.

*Nomes alterados para proteção de identidade

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