Coronavírus

“Não estou vacinado”: as explicações de Djokovic durante interrogatório na Austrália

Leia a transcrição do momento em que o tenista é questionado por oficiais do Governo australiano, divulgada esta segunda-feira pelo Tribunal Federal de Melbourne.

Quando desembarca em Melbourne, no dia 6 de janeiro, a chegada de Novak Djokovic fica logo marcada pelo momento em que é questionado por um agente do Ministério da Administração Interna australiano sobre o motivo da viagem ao país.

A conversa foi divulgada pelas autoridades federais australianas.

Depois de explicar que teria aterrado no país da Oceânia para disputar o Open da Austrália, o mesmo agente pergunta ao tenista sobre a sua situação de vacinação contra a covid-19.

“Não estou vacinado”, responde Djokovic. Mas a conversa não se ficou por aqui:

Agente: Encontra-se vacinado?

Djokovic: Não estou vacinado.

Agente: Obrigado. Alguma vez contraiu covid-19?

Djokovic: Sim, tive covid[-19] duas vezes, em junho de 2020 e recentemente – testei positivo, por teste PCR, no dia 16 de dezembro de 2021. Tenho os documentos para provar. Se quiser, posso disponibilizá-los.

Agente: Encontra-se vacinado?

Djokovic: Não estou vacinado.

O interrogatório é, então, suspenso, enquanto os documentos de Djokovic são fotocopiados.

No momento em que recomeça, às 00:35 locais (13:35 em Portugal), o número 1 do ténis mundial confirma que o seu agente preencheu o seu pedido de visto e diz possuir uma isenção médica, por parte do Governo federal australiano, para entrar no país.

Agente: Ok, este documento aqui, a isenção médica, fala sobre uma comissão de revisão da Tennis Australia [o órgão regulador do ténis na Austrália], não refere o Governo federal. Mas,certamente que o senhor estará certo…

Djokovic: Sim, o processo foi, sim, o processo, houve duas indepen…, duas comissões de médicos, houve uma que era relacionada com o Governo federal, de certeza.

A entrevista viria, novamente, a ser suspensa. Djokovic terá ficado confuso e o certificado de isenção não seria afinal do Governo federal, mas do Governo estadual.

Djokovic: Sim, então, acabei de confirmar com o meu agente: este certificado de isenção foi disponibilizado por uma comissão de avaliação médica especialista independente, requisitado pela Tennis Australia, tendo sido a decisão da comissão revista e confirmada por uma comissão de avaliação médica especialista do Governo estadual de Victoria [estado no sudeste da Austrália].

Agente: Então, antes disse-me que [o certificado de isenção] foi feito pelo Governo…

Djokovic: Sim, eu, eu, bem, eu provavelmente cometi um erro, não foi o Governo federal, foi o Governo de Victoria que selecionou a comissão independente de médicos que reviu, juntamente com o Open da Austrália.

Agente: Tudo bem, mas o problema é que o senhor [inaudível] vem à Austrália e esta é governada pelo Governo federal.

Djokovic: Isso eu entendo. Então, necessita de algum documento adicional da minha parte?

Agente: Sim, visto que está a alegar que recebeu e-mails do Governo federal, porque, sim, queremos dar-lhe todas as oportunidades para provar o máximo de informação que puder.

Djokovic: Tudo bem. Ok, portanto, não, nós não recebemos nenhum e-mail do Governo federal. Isto é o que nós recebemos da equipa de médicos do Open da Austrália, porque eles são os organizadores do evento, portanto isto é o que temos.

Agente: Ok, está bom.

Djokovic: E peço desculpa, eu lamento.

A entrevista é suspensa às 00:52 locais, com Djokovic a esperar três horas até ao recomeço.

Às 3:55, em plena madrugada, o tenista recebe um aviso de que o cancelamento do seu visto estaria em cima da mesa.

Agente: Então, vou apenas ler alto toda a informação.

Djokovic: Não estou a entender, estão-me a cancelar o visto?

Agente: Isto é um aviso de intenção de que se está a ponderar o cancelamento do seu visto, ao abrigo da secção 116 da Lei de Migração [australiana] de 1958. Assim, a partir do momento em que o receber, dar-lhe-ei, lá está, 20 minutos – ou, se precisar de mais tempo, poderá requisitar – e terá de mostrar-nos razões pelas quais não devemos cancelar o seu visto.

Djokovic: Quer dizer, eu não estou mesmo a conseguir perceber o que mais desejam que eu vos disponibilize. Disponibilizei todos os documentos que a Tennis Autralia e o Governo de Victoria me pediram nas últimas três, quatro semanas, isto é o que temos feito. O meu agente e eu temos estado em constante comunicação com a Tennis Australia e o Governo estadual de Victoria, com a comissão médica…

Agente: Sim.

Djokovic: Eles [Tennis Australia, Governo de Victoria e comissão médica] deixaram-me obter a isenção médica para a vacinação contra a covid-19. Eu requeri, eles aprovaram, eu simplesmente não sei o que mais querem que diga. Eu simplesmente não compreendo qual a razão para vocês não me deixarem entrar no vosso país. Quer dizer, eu estou à espera durante quatro horas e continuo a não conseguir entender qual a razão… É falta de que papéis? Falta de que informação?

Agente: Sim, portanto, vou apenas ler em voz alta toda a informação para si e vou-lhe dar uma cópia disto também.

Djokovic: Portanto, estão-me a dar, legalmente, 20 minutos para tentar disponibilizar informação adicional que eu não possuo? Às quatro horas da manhã? Quer dizer, o senhor, de certa forma, colocou-me numa posição muito estranha, em que, às quatro da manhã, eu não posso ligar ao diretor da Tennis Australia, não posso contactar com ninguém do Governo estadual de Victoria, através da Tennis Australia. Colocou-me numa posição muito desconfortável. Não sei o que mais lhe dizer. Quer dizer, tudo o que eles, o que me foi pedido para fazer, está aqui.

Agente: Sim.

Djokovic: E eu não estaria aqui sentado à sua frente se não estivesse a cumprir todas as regras e regulamentos definidos pelo vosso Governo. Portanto, eu apenas – eu não sei o que dizer –, para mim é um pouco chocante que vocês me deem o aviso para cancelar o meu visto, baseado no quê? Se puderem, nós podemos esperar pelas oito da manhã e, aí, eu posso contactar a Tennis Australia e, aí, podemos tentar resolver isto. Mas neste momento? Estão todos a dormir. Não sei o que mais posso fazer neste momento. Portanto, eu realmente, eu sei que estão a cumprir a lei… mas isto apenas não faz sentido. Quer dizer, eu fiz tudo o que posso fazer. Neste momento, posso ligar ao meu agente. O senhor – o senhor disse-me para não usar o meu telefone, portanto, eu não estou a contactar com ninguém, ninguém sabe o que se está a passar.

Agente: “Mmhm”…

Djokovic: Mas apenas preciso de entender, da sua parte, porque me tem estado a dar respostas bastante vagas, ou literalmente nenhuma resposta, nas últimas quatro horas… a intenção de considerar o cancelamento, que eu realmente não entendo o que significa,

O oficial encarregue pelo interrogatório explica que, ao abrigo Lei da Biossegurança de 2015, existem requisitos para entrar em território australiano. Acrescenta também que o facto de determinada pessoa ter, previamente, estado infetada com covid-19 não é considerado uma contraindicação médica para a vacinação contra o novo coronavírus na Austrália.

Djokovic: Lamento interromper, mas isso não é verdade. A comissão médica independente do Governo estadual de Victoria disse, explicitamente, que, que se tiver recuperado ou se tiver um teste positivo para coronavírus e um neste negativo para coronavírus nos últimos seis meses, e se tiver uma quantidade suficiente de anticorpos, é considerado para o processo de obtenção de isenção médica. Foi assim que a consegui. Quer dizer, eu comuniquei diretamente com o Governo estadual de Victoria. Isso não é, de todo, verdade.

De seguida, o oficial à frente do interrogatório lê uma longa declaração ao tenista, dizendo-lhe que pessoas não vacinadas criam um maior risco para a saúde em contrair covid-19 e transmitir a outros a infeção, qualquer um dos quais sobrecarregará ainda mais o sistema de saúde australiano.

Assim, acrescenta que, em caso de cancelamento do visto de Novak Djokovic, o atleta poderá ficar impedido de entrar na Austrália durante três anos.

O tenista é, então, solicitado a assinar um documento.

Djokovic: Então, eu realmente não sei o que fazer às quatro da manhã. Se me deixar ligar o meu telefone e fazer uma chamada para o meu agente, e tentar e conseguir contactar alguma pessoa da Tennis Australia. Não há qualquer hipótese de me colocar numa posição de vir e sentar-me aqui consigo, e definitivamente chamaria a minha atenção, a atenção do meu agente ou da equipa de pessoas à minha volta de que a regra dos seis meses de covid-19 não estaria em vigor.

Agente: Tudo bem, mas eu preciso de passar por este processo, e, portanto, tudo bem se não quiser assinar, mas eu irei na mesma, eu farei uma fotocópia disto, vou-lha dar, portanto, vou apenas dizer que não irá assinar.

Djokovic: Tudo bem, portanto, poder-me-á apenas explicar se me permitirá adquirir mais informação, através do meu telefone, com o meu agente?

Pela quarta vez, o interrogatório é suspenso por nove minutos, recomeçando às 4:32.

Depois de Novak Djokovic saber que poderia usar o telefone, surge uma quinta pausa no já longo interrogatório.

Às 5:20, o tenista é informado de que seria transportado para um hotel na cidade de Melbourne.

Djokovic: Mas o hotel? É como que um hotel de covid[-19] ou o que é isso?

Agente: Não, é, eu não sei o nome, é apenas um local… pressuponho que o departamento [relativo à Administração Interna australiana] terá contratualizado com o hotel para permitir a entrada de pessoas, a quem tenha sido negada a entrada no país, para ficarem lá no hotel.

Djokovic: Ok. Então isso quer dizer que eu posso levar as minhas malas comigo ou?

Agente: Primeiro, eu apenas queria ver… qual a sua resposta à NOIC, o aviso de intenção de cancelamento [do visto]. Portanto, tem alguma coisa a dizer, a razão pela qual o visto não deveria, por que não deveríamos considerar cancelar o seu visto?

Mais uma vez, o tenista apresenta as suas razões para não cancelarem o seu visto, antes de uma sexta interrupção no interrogatório, já com o Sol australiano bem alto, das 6:14 às 7:38.

Novak Djokovic é, então, notificado de que o Governo australiano pretende cancelar o seu visto, ao abrigo da secção 116 da Lei de Migração de 1958.

Agente: Outras entidades relevantes serão avisadas de que o seu visto foi cancelado. Portanto, isto é a notificação e são 7:42. Fica ao seu critério, é uma escolha sua se pretende assinar.

Djokovic: Não.

Agente: Tudo bem. Vou apenas convidar outra agente para vir aqui à sala e ela vai detê-lo-á.

Neste momento, entra Beck, uma agente da “Australian Border Force”, entidade semelhante ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em Portugal.

Agente de detenção: Chamo-me Beck, sou uma agente da “Australian Border Force”. Chegou-me a informação de que é cidadão ilegal na Austrália. Desta forma, estou a detê-lo ao abrigo da secção 189, número 1 da Lei de Migração de 1958, às 7:43, no dia 6 de janeiro de 2022. Agora, deixo-o com o meu colega.

Djokovic: Ah, apenas sobre o próximo passo, serei escoltado para um hotel?

Agente: Sim, portanto, o próximo passo é o senhor ser escoltado para um hotel. É aqui que permanecerá, e aí informará a companhia aérea, quando obtivermos mais alguma informação. A SERCO – outra entidade que trata destes assuntos – informá-lo-á e, aí, transportá-lo-ão de novo para o aeroporto.

Djokovic: Ok. Mas que companhia aérea irá – porque eu… tenho alguma decisão em qual irei viajar? Porque eu posso comprar o meu próprio bilhete para voltar.

Agente: Sim – é –, é isso. Da mesma forma que funciona com qualquer companhia aérea com a qual o senhor voou, informá-los-emos e será responsabilidade deles. Então, o senhor veio com…

Djokovic: [Fly] Emirates, sim, portanto, voltarei para o Dubai.

Agente: Sim. Portanto, se não tiver mais questões, sim, termino assim a minha entrevista.

Djokovic: Ok.

Agente: Está bem, então esta entrevista está a ser terminada às 7:45 do dia 6 de janeiro de 2022.

O tenista é, assim, levado para um hotel de detenção governamental.

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