Parti do caos da cidade de Cape Town com a ansiedade de quem está prestes a pedalar 14 mil quilómetros. Após semanas de espera, devido a questões burocráticas para libertar a minha bicicleta eléctrica da alfândega, lá me fiz ao caminho com a felicidade de ver o sol brilhante a aquecer-me a alma no frio da manhã de inverno que se fazia sentir.
Naquele dia, nada fazia prever que essa seria a única manhã soalheira daquela semana. O ritmo tranquilo com que iniciei a jornada serviu para apreciar a paisagem deslumbrante. O caminho deixava para trás a majestosa Table Mountain que ia ficando mais pequena no retrovisor da bicicleta.
Parecia estar a pedalar dentro do ecrã do Windows 95, naquela paisagem de tirar o fôlego. Mas apesar da beleza cénica, a viagem foi solitária. Senti falta do encontro com os sul-africanos. Foi uma semana sem gente.
Chuvas torrenciais: a fuga das estradas transformadas em lama
As chuvas constantes durante a viagem poderiam propor um início abençoado. No entanto, é difícil acharmos uma bênção em chuvas intensas que não são mais do que um sinal das alterações climáticas.
Annie, partilhou comigo a preocupação sobre o clima, cada vez mais incerto, quando parou o carro para me alertar das condições da estrada mais à frente. Avancei e logo percebi a preocupação da Annie que vive ali perto. A estrada estava completamente destruída pela chuva torrencial.
Durante a maior parte do percurso de 700 quilómetros, na África do Sul, decidi seguir pela estrada nacional, Cape Namibia Route. A estrada era recente e o sólido alcatrão permitiu-me fugir das estradas de terra transformadas em lama devido às fortes chuvas nesta parte do continente africano.
Percurso solitário: aldeias e cidades desertas, ruas vazias e lojas fechadas
Essa escolha limitou o meu contacto com aldeias ao longo do caminho, mas, sempre que fazia um desvio para uma paragem, para almoçar ou procurar uma Guesthouse para passar a noite e recarregar as baterias da bicicleta, deparava-me com aldeias e cidades desertas. As ruas estavam vazias e as lojas fechadas.
O verdadeiro desafio desta semana não foi recarregar as baterias da e-bike, mas encontrar um restaurante para “recarregar as minhas”.
O que eu imaginei que ia ser mais desafiante, o carregamento da bicicleta, acabou por ser o mais fácil. Mesmo com os constantes apagões diários de energia que assolam a África do Sul devido a problemas de corrupção, planeamento inadequado e infra-estruturas envelhecidas da Eskom, tenho conseguido gerir e carregar a minha e-bike sem grandes dificuldades e percorrer uma média de 100 quilómetros com apenas uma carga. Isso motiva-me para enfrentar os desafios das etapas que me esperam no deserto na próxima semana.
Motivado por desafios, decidi, num dos dias, explorar estradas secundárias, na esperança de encontrar mais vida e tirar algumas fotografias, algo que tenho feito muito pouco devido às chuvas. No entanto, a minha tentativa foi em vão.
As chuvas intensificaram-se e as estradas secundárias ficaram cheias de buracos e lama, fazendo com que eu precisasse, por vezes, de ir a pé a empurrar a e-bike com um peso de cerca de 80 quilos de bicicleta, equipamento e bagagem, pelas subidas lamacentas. Por mais difícil que possa parecer, são estes imprevistos ao longo do caminho que me fascinam e marcam as aventuras.
A semana de ventos fortes, chuva e frio intenso, ensinou-me a valorizar pequenos instantes que passam despercebidos na rotina dos dias. Num dos dias de temporal um efémero raio de sol, foi capaz de me devolver a energia e a alegria ao fim de uma jornada de 120 quilómetros repleta de subidas íngremes e pingos de chuva incisivos que me picavam a cara.
No sofrimento dos últimos dias, e especialmente daquele dia, foi um simples raio de sol que se tornou um dos mais preciosos e memoráveis momentos daquela semana.
Felizmente, nem todos os dias foram marcados por chuvas intensas. Após cinco dias, o sol finalmente decidiu aparecer e, com ele, trouxe paisagens exuberantes que me devolviam a força e pareciam impulsionar-me a pedalar em direção ao norte.
O desafio de atravessar o deserto
Amanhã, darei início a um novo país e enfrentarei aquele que penso ser um dos maiores desafios destes 14 mil quilómetros em direção ao Egito: atravessar o deserto da Namíbia e encontrar pontos de carregamentos para as baterias da minha BEEQ.
Serão duas semanas extremamente desafiadoras, tanto para mim quanto para a minha companheira de viagem. No entanto, uma coisa é certa: não somos de desistir, e tenho plena confiança de que superaremos as estradas arenosas, a poeira, o calor intenso durante o dia e as temperaturas negativas à noite.
Até um dia África do Sul. Olá, Namíbia. Aqui vamos nós, prontos para enfrentar o próximo capítulo desta aventura!"
Acompanhe a viagem de Daniel Rodrigues Do Cairo a Capetown.
Atravessar África numa bicicleta elétrica para promover o uso dos meios de transporte sustentáveis, reduzir a pegada ecológica e conscientizar a sociedade para as alterações climáticas. Daniel Rodrigues relata a viagem, pioneira, de 14 mil quilómetros.