De Cape Town ao Cairo

Atravessar África de bicicleta elétrica: uma semana, 700 quilómetros, um país

Uma semana já passou desde que iniciei a minha ousada jornada de atravessar África de bicicleta elétrica. O objetivo? Incentivar a mobilidade elétrica, vivenciar de perto os efeitos das alterações climáticas e alertar para os seus impactos. Durante estes intensos dias, percorri cerca de 700 km, enfrentei chuvas torrenciais, ventos impiedosos e, infelizmente, tive poucos encontros com os locais.

DANIEL RODRIGUES

Daniel Rodrigues

Parti do caos da cidade de Cape Town com a ansiedade de quem está prestes a pedalar 14 mil quilómetros. Após semanas de espera, devido a questões burocráticas para libertar a minha bicicleta eléctrica da alfândega, lá me fiz ao caminho com a felicidade de ver o sol brilhante a aquecer-me a alma no frio da manhã de inverno que se fazia sentir.

Naquele dia, nada fazia prever que essa seria a única manhã soalheira daquela semana. O ritmo tranquilo com que iniciei a jornada serviu para apreciar a paisagem deslumbrante. O caminho deixava para trás a majestosa Table Mountain que ia ficando mais pequena no retrovisor da bicicleta.

Parecia estar a pedalar dentro do ecrã do Windows 95, naquela paisagem de tirar o fôlego. Mas apesar da beleza cénica, a viagem foi solitária. Senti falta do encontro com os sul-africanos. Foi uma semana sem gente.

Chuvas torrenciais: a fuga das estradas transformadas em lama

As chuvas constantes durante a viagem poderiam propor um início abençoado. No entanto, é difícil acharmos uma bênção em chuvas intensas que não são mais do que um sinal das alterações climáticas.

Annie, partilhou comigo a preocupação sobre o clima, cada vez mais incerto, quando parou o carro para me alertar das condições da estrada mais à frente. Avancei e logo percebi a preocupação da Annie que vive ali perto. A estrada estava completamente destruída pela chuva torrencial.

Durante a maior parte do percurso de 700 quilómetros, na África do Sul, decidi seguir pela estrada nacional, Cape Namibia Route. A estrada era recente e o sólido alcatrão permitiu-me fugir das estradas de terra transformadas em lama devido às fortes chuvas nesta parte do continente africano.

Percurso solitário: aldeias e cidades desertas, ruas vazias e lojas fechadas

Essa escolha limitou o meu contacto com aldeias ao longo do caminho, mas, sempre que fazia um desvio para uma paragem, para almoçar ou procurar uma Guesthouse para passar a noite e recarregar as baterias da bicicleta, deparava-me com aldeias e cidades desertas. As ruas estavam vazias e as lojas fechadas.

O verdadeiro desafio desta semana não foi recarregar as baterias da e-bike, mas encontrar um restaurante para “recarregar as minhas”.

O que eu imaginei que ia ser mais desafiante, o carregamento da bicicleta, acabou por ser o mais fácil. Mesmo com os constantes apagões diários de energia que assolam a África do Sul devido a problemas de corrupção, planeamento inadequado e infra-estruturas envelhecidas da Eskom, tenho conseguido gerir e carregar a minha e-bike sem grandes dificuldades e percorrer uma média de 100 quilómetros com apenas uma carga. Isso motiva-me para enfrentar os desafios das etapas que me esperam no deserto na próxima semana.

Motivado por desafios, decidi, num dos dias, explorar estradas secundárias, na esperança de encontrar mais vida e tirar algumas fotografias, algo que tenho feito muito pouco devido às chuvas. No entanto, a minha tentativa foi em vão.

As chuvas intensificaram-se e as estradas secundárias ficaram cheias de buracos e lama, fazendo com que eu precisasse, por vezes, de ir a pé a empurrar a e-bike com um peso de cerca de 80 quilos de bicicleta, equipamento e bagagem, pelas subidas lamacentas. Por mais difícil que possa parecer, são estes imprevistos ao longo do caminho que me fascinam e marcam as aventuras.

A semana de ventos fortes, chuva e frio intenso, ensinou-me a valorizar pequenos instantes que passam despercebidos na rotina dos dias. Num dos dias de temporal um efémero raio de sol, foi capaz de me devolver a energia e a alegria ao fim de uma jornada de 120 quilómetros repleta de subidas íngremes e pingos de chuva incisivos que me picavam a cara.

No sofrimento dos últimos dias, e especialmente daquele dia, foi um simples raio de sol que se tornou um dos mais preciosos e memoráveis momentos daquela semana.

Felizmente, nem todos os dias foram marcados por chuvas intensas. Após cinco dias, o sol finalmente decidiu aparecer e, com ele, trouxe paisagens exuberantes que me devolviam a força e pareciam impulsionar-me a pedalar em direção ao norte.

O desafio de atravessar o deserto

Amanhã, darei início a um novo país e enfrentarei aquele que penso ser um dos maiores desafios destes 14 mil quilómetros em direção ao Egito: atravessar o deserto da Namíbia e encontrar pontos de carregamentos para as baterias da minha BEEQ.

Serão duas semanas extremamente desafiadoras, tanto para mim quanto para a minha companheira de viagem. No entanto, uma coisa é certa: não somos de desistir, e tenho plena confiança de que superaremos as estradas arenosas, a poeira, o calor intenso durante o dia e as temperaturas negativas à noite.

Até um dia África do Sul. Olá, Namíbia. Aqui vamos nós, prontos para enfrentar o próximo capítulo desta aventura!"


Acompanhe a viagem de Daniel Rodrigues Do Cairo a Capetown.

Atravessar África numa bicicleta elétrica para promover o uso dos meios de transporte sustentáveis, reduzir a pegada ecológica e conscientizar a sociedade para as alterações climáticas. Daniel Rodrigues relata a viagem, pioneira, de 14 mil quilómetros.

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