Além Fronteiras

Do gesto que irritou o presidente ao "impensável" cenário de deixar um bebé na rua: como é ser treinador português na Noruega?

Hugo Vicente apaixonou-se pelo futebol nórdico ainda durante a adolescência. Hoje é um dos técnicos portugueses mais experientes na Escandinávia. O "treinador dos treinadores" do Viking relata os contrastes entre os estilos de vida nórdico e latino e explica como uma metodologia muito diferente da portuguesa no futebol de formação tem produzido resultados ao mais alto nível.

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Hugo Rodolfo dos Santos Vicente. Aos 47 anos, é um dos treinadores portugueses com maior experiência no futebol nórdico. Começou a carreira em Portugal, passou pelos juniores do Benfica e do SC Braga, mas apaixonou-se pela Escandinávia, uma paixão que vai além do futebol.

No Viking FK, é coordenador técnico, o “treinador dos treinadores”, e desempenha um papel decisivo nas definições dos modelos de jogo e de treino.

A admiração pelo futebol nórdico teve origem nos anos 90 e numa “pancada da adolescência” por dois amores suecos: a Seleção e o IFK Gotemburgo.

“Futebol funciona como uma ferramenta social”

Hugo Vicente conta que a realidade futebolística escandinava soma uma panóplia de contrastes face a Portugal.

“O desporto é obrigatório a partir dos 6 anos e, até aos 13/14, é cada um por si. Não há futebol competitivo nessas faixas etárias e os miúdos são treinados pelos pais. Só depois começam as academias”, explica o treinador português.

O técnico português dá o exemplo do esqui, onde, na Noruega, o foco no treino e no desenvolvimento pessoalizado de aptidões acontece desde uma fase precoce, ao contrário de modalidades coletivas como o futebol e o andebol, que “funcionam como ferramentas sociais de inclusão e partilha”.

“Na cultura escandinava nenhum é melhor que o todo, o que acaba por condenar quem quer chegar um pouco mais longe”, afirma.

Uma estratégia de desenvolvimento que não é a mais comum e que poderá "agradar mais a uns do que a outros”. Certo é que o futebolista escandinavo ganhou, nos últimos anos, um estatuto de alvo apetecível para vários mercados europeus e o português não é exceção. São disso exemplos Gyokeres e Hjulmand, no Sporting, ou Aursnes e Schjelderup, no Benfica.

Hugo Vicente revela que este incremento de qualidade do jogador escandinavo, “fisicamente robusto, muito dedicado e profissional”, é “muito sustentado no lado cientifico” trabalhado pelos clubes, que trocam informações entre si.

O meu presidente pediu-me: "Hugo, para com isso"

Da vida na Noruega, o tempo é do que menos gosta: “Falta o céu azul, os invernos são muito marcados pela neve. (…) Almoçar às 11:00 e jantar às 16:00 é estranho para nós [portugueses]”.

O treinador descreve situações bastante antagónicas entre as realidades escandinava e latina, em matéria de trato social, e partilha um episódio caricato que viveu com o presidente do Viking.

“As pessoas vão aos cafés e deixam os bebés do lado de fora”

A segurança é uma das virtudes norueguesas que Hugo Vicente mais elogia, dando até o exemplo de casos que seriam “impensáveis” em Portugal.

“As pessoas quando vão para o café deixam os bebés cá fora, enquanto dormem, para se adaptarem ao frio. Isto em Portugal é totalmente impensável, não vais deixar o teu bebé cá fora senão vem alguém a correr e leva-o”, conta.

Hugo Vicente destaca ainda o estilo de vida nórdico, mais desafogado e com horários de trabalho mais curtos, que permitem dedicar mais tempo a família e amigos.

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