Economia

Estudo aponta desigualdade de género no mercado de trabalho como a "raiz dos atuais problemas demográficos"

O crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho não produz efeitos negativos sobre a fecundidade, mas as condições inferiores às dos homens sim, indica estudo divulgado esta sexta-feira.

Rita Robalo Rosa

Muitas horas de trabalho, salários baixos, precariedade e desigualdade de género: estes são alguns dos ingredientes para uma fecundidade baixa nos países desenvolvidos, mas particularmente em Portugal, revela o estudo “Como o mercado de trabalho e a igualdade de género influenciam a fecundidade em Portugal”, integrado no projeto “Demografia e Políticas Públicas”, do PlanAPP - Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública.

Segundo o estudo (da autoria de Bruno Januário, William de Melo, Ana Oliveira, Manuel Abrantes e Sofia Moreira), o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho não produz efeitos negativos sobre a fecundidade. As condições de trabalho das mulheres, especialmente quando comparadas com as dos homens, é que “estão na raiz dos atuais problemas demográficos”, indica o estudo.

Até porque em Portugal quer pais quer mães “trabalham a tempo completo, fora de casa, em estruturas de arranjo de trabalho pago ainda rígidas e convencionais”. Mesmo que homens e mulheres considerem que o modelo de trabalho a tempo parcial é o ideal para as mães, não é isso que se verifica. Mas as mulheres ganham menos, para o mesmo trabalho.

As mulheres "investem mais tempo do que os homens na sua qualificação profissional, contudo, este investimento não se traduz na ocupação equitativa das posições de liderança ou dos salários recebidos”, nota o estudo. As mulheres ocupam mais postos de trabalho em setores económicos que pagam salários mais baixos.

Graças à subida do salário mínimo, o salário médio de ambos os sexos aproximou-se, mas as diferenças salariais continuam a ser significativas. O estudo refere que “50% das mulheres a trabalhar a tempo e remuneração completos auferiam, em 2019, até 664 euros de remuneração base, enquanto 50% dos homens auferiam até 750 euros”. Dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2022, mostram que, nesse ano, o rendimento médio mensal líquido da população masculina empregada por conta de outrem atingiu 1116 euros, o que comparava com 950 euros no caso das mulheres - ou seja, os homens ganhavam, em média, 17,5% acima das mulheres.

Assim, as mulheres têm menos recursos financeiros, que são necessários para os seus projetos familiares. O cenário piora se estivermos perante um “agravamento da intensidade da pobreza, diminuição involuntária da jornada laboral com perda salarial, desemprego ou aumento do peso das despesas com habitação” - tudo fatores que demonstram estar relacionados com uma queda na taxa de fecundidade”.

Em suma, em Portugal as condições materiais (bem-estar ou vulnerabilidade económica e emprego) são um fator decisivo na questão da parentalidade, até mais do que saúde, ambiente ou mesmo a conciliação trabalho-família.

Não há luz ao fundo do túnel

Tudo isto é agravado pela situação em que os jovens portugueses se encontram. Precariedade, baixos salários e horários atípicos são algumas das características do mercado de trabalho para os jovens - e, mais uma vez, as mulheres são mais afetadas. “Estes fatores, em conjunto com as dificuldades de acesso à habitação, contribuem para elevar a idade média da saída da casa dos pais, o que, por conseguinte, aumenta a idade média da mãe” na altura em que tem o primeiro filho e diminui a probabilidade de haver mais filhos.

Em comparação com a União Europeia, os jovens portugueses demoram muito mais tempo a sair de casa dos pais, fenómeno que foi agravado durante a pandemia. Contudo, na UE a pandemia parece não ter tido efeito na idade de saída dos jovens da casa dos seus pais. Assim, “este comportamento sinaliza que, diante de episódios de crise ou instabilidade socioeconómica, os jovens adultos portugueses são mais dependentes de redes de proteção informais, nomeadamente dos pais, do que a média dos outros países”.

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