Economia

Expliquem-me lá, senhores do Governo, que eu não estou a perceber muito bem…

Opinião de José Gomes Ferreira. Enquanto andamos entretidos a discutir a pancadaria no gabinete do ministro das Infraestruturas e a duvidosa legalidade do envolvimento do SIS, alguém nos está a mexer na carteira. E não é para pôr lá dinheiro, é para tirar, e muito! O pretexto é uma das bandeiras mais elevadas do Governo: a Transição Energética.
ANTÓNIO PEDRO SANTOS

José Gomes Ferreira

Vamos por partes. O Jornal de Negócios fez a manchete desta quarta-feira com a gloriosa notícia de que “Portugal (está) no pódio mundial dos negócios de hidrogénio”!

O artigo começa com a definição do termo “hydrogen valley”, vale ou região de produção de hidrogénio verde, ou cluster do setor, para informar que Portugal tem cinco destes “valleys”, ficando imediatamente atrás da França, com sete, e da Alemanha, com dezasseis.

Estes clusters de produção industrial dedicada ao hidrogénio verde (renovável) permitem a produção, distribuição e exportação desta forma de energia. Funcionam como “ecossistemas integrados de empresas que permitem o desenvolvimento da cadeia de valor do hidrogénio”, na definição de João Galamba, quando era secretário de Estado da Energia. Em Portugal já existem dois em Sines e três no resto do país.

No mesmo artigo ficamos a saber que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vai apoiar as empresas do setor com muitos milhões de euros e que só o “vale” de hidrogénio de Sines vai ter projetos de investimento no valor que pode atingir 22 mil milhões de euros até 2035, cerca de 10 por cento do PIB, em projetos de consórcios liderados pela EDP, GALP e REN.

No portal do Governo podemos ler, a propósito da consulta pública terminada em abril para a reprogramação do PRR que: “No âmbito do REPowerEU são apresentados nesta consulta pública investimentos que visam apoiar a melhoria da eficiência energética em edifícios e sistemas de produção de eletricidade renovável para auto-consumo com armazenamento; medidas de apoio à produção e consumo de hidrogénio renovável e gases renováveis; apoio ao desenvolvimento da capacidade produtiva nacional nas indústrias de energias renováveis, intensificando o apoio ao investimento industrial em tecnologias estratégicas para a transição climática, direta e indiretamente associado à implementação de energias renováveis e eficiência energética; e medidas direcionadas para a descarbonização do setor dos transportes, nomeadamente transporte público de passageiros e transporte marítimo”.

Notícia desta semana do jornal eletrónico ECO é também o facto de o Governo ir entregar a reprogramação do PRR em Bruxelas e desta constar que “Portugal manifestou “intenção de pedir empréstimos adicionais, num intervalo entre os 3,3 mil milhões de euros e os 11 mil milhões de euros”, aquando da revisão do plano e da inclusão das medidas relativas ao pacote energético RepowerEU”.

Numa outra consulta pública sobre os projetos de alargamento da capacidade da rede de gás do país, a cargo da REN, ficamos a saber que o novo troço do gasoduto de Celorico da Beira até à fronteira com Espanha, destinado a exportar hidrogénio verde para a Europa, vai custar 414 milhões de euros, mais 25 por cento do que o estimado há pouco mais de seis meses pelo Governo. E não vai ter nem sequer um cêntimo de compartição da União Europeia que não dá prioridade a este “corredor de hidrogénio verde” e, desde setembro do ano passado, considera o próprio gás natural e a energia nuclear como energias verdes.

Voltando agora ao artigo do Jornal de Negócios, mais à frente no texto ficamos a saber uma coisa muito importante: a produção de cada quilograma de hidrogénio verde terá “um custo médio de seis euros”.

Como? Cada quilograma de hidrogénio verde vai custar seis euros? À saída da fábrica, ainda antes da aplicação de impostos?

Numa consulta rápida ao relatório de maio da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) sobre a supervisão de preços do gás engarrafado, ficamos a saber que o preço do gás propano à saída da fábrica é de apenas 60 cêntimos (€0,60) por quilograma, dez vezes menos que o preço do hidrogénio verde, seis euros por quilograma. Registe-se que o preço equivalente do gás natural é ainda mais baixo, o que aumenta ainda mais a diferença para o preço do hidrogénio verde.

Perguntas incontornáveis:

Portugal vai então investir mais de 10 por cento do PIB em projetos de hidrogénio verde nos próximos anos, gastar grande parte dos subsídios e empréstimos do PRR em incentivos a investimentos nesta tecnologia ainda não amadurecida, e depois ficar com gigantescas estruturas industriais a produzir com um custo dez vezes superior ao do gás engarrafado e muito mais vezes ainda acima do custo do gás natural?

Quem vai pagar esta diferença abissal? As empresas industriais portuguesas, já a braços com muitos outros custos exagerados de contexto? Ou os desgraçados consumidores domésticos, que no fim da linha terão de arcar com aumentos brutais do custo da energia se os clientes industriais não aderirem em massa ao hidrogénio verde? Ou o contribuinte?

Estas e outras perguntas têm de ser urgentemente respondidas pelo Governo, a começar pelo primeiro-ministro e pelos ministros do Ambiente e da Economia.

Mas há mais perguntas a que o Governo tem de responder urgentemente. Esta quinta-feira, ficámos a saber que os consumidores é que vão pagar o reforço da rede elétrica para ligação aos novos parques eólicos offshore, em pleno Atlântico ao largo da costa de Portugal continental.

Em declarações ao Jornal de Negócios, Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), disse que “quer sejam os operadores a pagar o acesso à rede, através de acordos com a REN, incorporando depois esse valor na componente de energia, quer o aumento da capacidade (da rede) seja incluindo no próprio plano de investimentos da REN (e refletido nas tarifas de acesso), vão ser sempre os consumidores a pagar.”

Mais à frente no mesmo artigo, João Conceição, administrador da REN, garantiu que ligar os 10 GW de potência eólica offshore ambicionados pelo Governo “vai custar muito dinheiro”!

Mas o Governo não desarma nesta estratégia mal explicada ou não explicada de transição energética e vai mesmo lançar os concursos para as eólicas offshore ainda este ano, ao largo de Viana do Castelo, Figueira da Foz e Sines, num valor de muitos milhares de milhões de euros. A amortização destes investimentos, já se pode imaginar, vai parar à carteira dos mesmos de sempre, as famílias e empresas consumidoras.

Esta sexta-feira, o Governo anuncia a reprogramação das verbas do PRR, aumentado o bolo total de 16 mil para mais de 20 mil milhões de euros.

Mas terão os ministros do Ambiente e Energia, da Economia, e o próprio primeiro-ministro a honestidade de explicar aos portugueses que as suas faturas de eletricidade e gás vai disparar nos próximos anos por causa destes projetos megalómanos?

Num país de políticos lunáticos, que arrisca uma montanha de subsídios e empréstimos comunitários (que terão de ser ambos repagos de uma forma ou de outra) numa aventura arriscadíssima como esta, comprometendo o nosso futuro coletivo, alguém pode obrigá-los a explicar aos portugueses as consequências danosas dos seus atos? A começar pelos deputados da oposição na Assembleia da República e a terminar nos jornalistas especializados nas matérias de energia?

Termino dizendo de forma bem clara que estou de acordo com a Transição Energética. Desde que seja feita com prudência e deixando os países verdadeiramente ricos da Europa e do mundo avançar com volumosos investimentos em novas tecnologias de produção de energias renováveis ainda não maduras, de forma a que possamos logo a seguir beneficiar com a generalização do seu uso e a queda do seu custo marginal.

O que estamos a fazer no hidrogénio verde e na eólica offshore, como pequeno país de fracos recursos, é a comprometer o nosso futuro. Sobretudo o dos nossos filhos e netos.

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