Três activistas e dois trolleys carregados de preservativos e gel lubrificante percorrem a noite no Conde Redondo, Lisboa. Saíram à rua para fazer prevenção junto de trabalhadoras/es sexuais e apelar à adesão à manifestação contra o estigma no Dia do Trabalhador.
Muitas/os já sabem do que lhes falam. Na semana passada, outros rostos informaram-lhes sobre o MayDay e a inclusão das/os trabalhadoras/es sexuais na marcha do 1º de Maio.
"Prostituição é trabalho sexual. Trabalho sexual é trabalho!" são as palavras de ordem da convocatória, que desta vez partiu de quem faz do aluguer do corpo uma ocupação.
Não há organizadores formais, nem associações promotoras. Todos serão, hoje, entre o Largo de Camões e a Alameda, trabalhadoras/es sexuais.
"Apareçam no Martim Moniz às duas e meia", pedem-lhes, enquanto distribuem caixas com uma centena de preservativos. "Vamos estar todos de guarda-chuvas vermelhos", sinalizam.
Entre os três activistas - que pediram anonimato - há duas estreantes. O terceiro é uma cara já conhecida de muitas das pessoas que aguardam nas esquinas de uma das zonas de prostituição de Lisboa.
O movimento não é muito, mas lá se vão lançando olhares de carros, frequentemente de alta cilindrada. "É a crise, dantes gastava dez a quinze preservativos, agora até cinco é difícil. Eles passam, mas só olham, são sempre os mesmos", partilha um transgénero.
A idade começa a pesar, a paciência a faltar, confessa. Hoje com 44 anos, recorda como aos 20 "tudo era uma fantasia", enquanto abre os braços em pose de diva.
Já ouviu falar da manifestação de hoje - talvez lá passe - mas entretanto teve "algum juízo" e foi tratando "da reforma". Porque "tudo tem um princípio e um fim".
Uma e meia da manhã e à porta de uma "casa de hóspedes" várias mulheres esperam clientes que nem sempre vêm. "Apanho três autocarros para vir para aqui e pago 25 euros para voltar para casa de táxi. Por isso, nem sempre venho", conta uma.
Manifestação? Nem pensar. "Tenho roupa para lavar e para passar. E só de pensar que a família poderia descobrir..."
Os preservativos e os panfletos entregam-se no primeiro andar. Uma senhora de bata cor-de-rosa abre a porta, com ar de dona de casa.
"Isto está muito vazio para final do mês", diz o activista repetente. O trolley palmilha mais umas quantas ruas, em direcção à zona das imigrantes brasileiras. Dois travestis confirmam os boatos - a polícia tem avisado: não saiam à rua quando o papa estiver de visita.
"Eles pensam que se vive da paz do senhor, que se come com a paz do senhor, que se veste com a paz do senhor, que se paga a renda com a paz do senhor", ironiza um.
Provavelmente não virá trabalhar nos dias em que Bento XVI estiver em Portugal. Até porque problemas com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras já tem de sobra: faltam poucos dias até que a ordem de expulsão seja uma realidade.
Partilha dúvidas com o grupo: "E se me casasse com um português? Agora posso, não é?"
Ainda não, se calhar é melhor apostar num contrato de trabalho, aconselham.
Lusa