Desporto

A disciplina desportiva e a arbitragem

Opinião de Duarte Gomes. O futebol não pode ser autista em relação à voz, ao sentir e ao saber de muita gente capaz de ver o fenómeno com olhos de ver, só porque o faz de fora para dentro. Essa é quase sempre a melhor perspetiva de análise para tudo na vida e era bom que dentro da bolha se conseguisse entender e aceitar isso com humildade.
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Duarte Gomes

Nas últimas semanas tive o prazer de participar em várias conferências e palestras organizadas por entidades diferentes, um pouco por todo o lado. Os oradores e participantes tinham experiências, idades e formações distintas. Encontrei pessoas do norte e do a sul (ilhas incluídas) e até convidados estrangeiro.

Elas e eles, novos e velhos, com e sem formação superior, tudo gente com sensibilidades diversas em eventos onde se opinava, refletia e discutia sobre o estado do desporto em Portugal.

Foi muito enriquecedor.

Como compreenderão, falou-se de tudo um pouco: de ética e de direito do desporto, de regulamentação e de leis, de clubes e de sociedades desportivas, de intolerâncias e de adeptos, de prevenção e de sensibilização, de transmissões televisivas e de formação, de tecnologia e de estádios, de preço de bilhetes e de comportamento de claques, de árbitros e de videoárbitros, de jogadores e de treinadores, de dirigentes e de comunicação social... enfim, falou-se de tudo um pouco. Nada ficou de fora.

Quem teve a palavra assumiu a sua posição, elogiando bons modelos, criticando maus e sugerindo o que tinha a sugerir. Livremente. Abertamente.

O que vos queria dizer é que no meio de tanto debate e discussão, no meio de tantas opiniões e ideias, houve dois temas que recolheram unanimidade: o da disciplina desportiva e o da arbitragem.

Aos olhos de todos (recordo, não estamos a falar de mera perceção pública, mas de gente que vive, sente e trabalha no desporto há anos) ambas estão longe, muito longe do nível que se exige e espera em alta competição.

Na disciplina desportiva, falou-se da considerável lentidão de processos, da sucessão interminável de recursos permitidos por lei (e explorados até ao tutano por quem tanto se queixa das demoras), da leveza dos castigos e consequente ineficácia das decisões, que tantas vezes só aparecem quando "o corpo já está em decomposição".

Não houve um único atleta, jurista, jornalista, nutricionista, treinador, psicólogo, dirigente, árbitro, empresário, agente ou comentador que pensasse o contrário. Nem um.

Têm razão.

A justiça desportiva é má, sim. É má porque permite demasiados expedientes a quem é comprovadamente culpado e porque não atua com a firmeza sancionatória que corresponda à ideia que todos temos. Ao ser assim, valida a repetição de infrações e incentiva os infratores habituais a agirem erradamente mais uma, duas, dez vezes.

Já em relação à arbitragem, há a ideia de que os árbitros não são desonestos mas incompetentes e pouco firmes, sobretudo por aparentarem permissividade à pressão. Todos reconhecem haver um problema de base, a escassez de recursos, tal como reconhecem que pouco tem sido feito para inverter esse cenário.

A falta de transparência e de comunicação para o exterior são outros pontos atacados: ninguém percebe a eterna história do "comer e calar", sem pelo menos tentar explicar e esclarecer. Sem pelo menos abrir o jogo e mostrar que, afinal, não há nada a esconder.

Esta semana ouvi Javier Tebas, presidente da La Liga, a reconhecer erro de abordagem ao caso "Vinicius Jr", assumindo algo que retive:

"Se a maioria das pessoas não entende a minha mensagem, sou eu que tenho que mudar e sou erro que estou errado. Peço desculpa".

É exatamente isso. Se o mundo inteiro acha que há um problema, se calhar há mesmo um problema.

O futebol não pode ser autista em relação à voz, ao sentir e ao saber de muita gente capaz de ver o fenómeno com olhos de ver, só porque o faz de fora para dentro. Essa é quase sempre a melhor perspetiva de análise para tudo na vida e era bom que dentro da bolha se conseguisse entender e aceitar isso com humildade.

Estas opiniões, apesar de críticas, não são destrutivas nem pretendem atacar ninguém. Pelo contrário. Querem alertar para algo que só quem tem poder conseguirá mudar.

O jogo, o espetáculo, a indústria é mesmo de todos e todos queremos o mesmo, porque estamos todos do mesmo lado.

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