Cultura

Sessão de Cinema: “O Assassino”

O novíssimo filme de David Fincher possui o fulgor e a perturbação de uma tragédia contemporânea — começou pelas salas escuras e, agora, já pode ser visto em “streaming”.

Michael Fassbender em "O Assassino": uma interpretação digna de Óscar

João Lopes

Eis um dos grandes acontecimentos do cinema de 2023. Desde logo, pelo seu hibridismo comercial. De facto, “O Assassino”, de David Fincher, começou por ser exibido nas salas escuras de todo o mundo, algumas semanas depois (a partir de 10 de novembro) surgindo na plataforma que o produziu (Netflix).

Dito de outro modo: depois de “Mank” (2020), sobre os bastidores da produção do clássico de Orson Welles, “O Mundo a seus Pés” (1941), Fincher reafirma-se como um criador que, à semelhança de Martin Scorsese, reconhece e explora a pluralidade da produção contemporânea, sem alienar a fundamental presença dos filmes nas salas.

Inspirado pela personagem criada pelo francês Alex “Matz” Nolent, na sua banda desenhada com o mesmo título, o filme pode ser definido como uma saga paradoxal: por um lado, seguimos o trajecto atribulado de um assassino profissional que, depois de não conseguir cumprir uma missão (isto é, matar um alvo humano), acaba por ser ele próprio visado por uma rede obscura de interesses e crimes; por outro lado, a crescente solidão do protagonista faz com que, subtilmente, ele seja o eco humano (e desumano) de uma conjuntura social em que a solidão de cada um é a regra. No limite mais perturbante, somos levados a reconhecer que já não há quaisquer redes de comunicação, mas apenas uma teia de ambiguidades, suspeições, traições e, por fim, formas radicais de violência.

Fincher sabe filmar essa quase abstracção do mundo e das relações humanas, através de uma dimensão muito concreta e, é caso para dizê-lo, visceralmente carnal. Matéria principal dessa visão? A presença de Michael Fassbender como intérprete do “killer” a que se refere o título original: ele é o mais solitário dos seres e também, tragicamente, um sintoma de um mundo em desagregação. Fosse esse um mundo perfeito, Fassbender seria um automático vencedor de um Óscar de representação.


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