Quando usamos a palavra “comício”, podemos pensar em campanhas eleitorais e celebrações políticas, mas não associamos a tal evento as convulsões do amor, os temas sexuais ou as diferenças de género. Pois bem, foi isso mesmo que Pier Paolo Pasolini (1922-1975) fez em 1964, realizando um documentário a que chamou, precisamente, “Comícios de Amor” (no mesmo ano lançou “O Evangelho segundo São Mateus”) — eis uma raridade clássica que podemos ver ou rever graças à oferta em streaming.
De que se trata, então? De um conjunto de reportagens, muitas delas registadas na rua, em que Pasolini dialoga com figuras públicas — por exemplo, o escritor Alberto Moravia, a actriz Antonella Lualdi ou o jogador de futebol Ezio Pascutti —, mas também com pessoas anónimas do povo, para colocar perguntas, e confrontar ideias, sobre as mais íntimas relações humanas na Itália de meados da década de 60.
O resultado é contrastado e complexo, e também motivador. De tal modo que, numa decisão com data de 2008, “Comícios de Amor” foi incluido pelo Ministério da Cultura de Itália numa lista de uma centena de filmes considerados de utilidade pública pelo modo como alteraram a “memória colectiva do país entre 1942 e 1978”.
Feito há quase 60 anos, este é, de facto, um exemplo modelar de um cinema que se quer interrogativo e pedagógico, lidando com temas que vão desde as diferentes perspectivas sobre a virgindade até à percepção social da homossexualidade. Escusado será dizer que não há equivalências automáticas entre a Itália dos anos 60 e a Itália (ou qualquer outro país) deste nosso presente. A questão é outra: o gosto de conhecer e a exigência de rigor do olhar documental são, afinal, valores de absoluta actualidade.