Todos os dias acedemos a imagens (televisivas e fotográficas) que são testemunhos chocantes da invasão da Ucrânia pela Rússia. Seja como for, vale a pena acrescentar que o cinema não está alheado da guerra iniciada a 24 de fevereiro de 2022. Há mesmo cineastas cujo trabalho procura reflectir, não apenas a conjuntura actual na Ucrânia, mas também a herança histórica da URSS — é o caso de Sergei Loznitsa, nomeadamente através de filmes como “O Cerco de Leninegrado” (2006) ou “Donbass” (2018), ambos estreados entre nós e editados no mercado de DVD (o primeiro é um dos títulos de Loznitsa disponíveis na plataforma Filmin).
Entretanto, esta semana chegou às salas portuguesas “Mariupolis 2”, do cineasta lituano, antropólogo e professor universitário, Mantas Kvedaravicius, precisamente sobre a resistência da povoação de Mariupol aos bombardeamentos das tropas russas — tendo recebido um Prémio Especial do Júri de Cannes, acabou por ser consagrado, nos prémios da Academia de Cinema Europeu, referentes a 2022, como melhor documentário europeu do ano.
O título remete, como é óbvio, para um primeiro “Mariupolis” (2016), que Kvedaravicius rodou em 2014-15, quando os habitantes daquela cidade na região do Donbass foram visados pelos ataques dos separatistas apoiados por Moscovo. Pouco depois do início da invasão russa, o cineasta regressou ao mesmo cenário, assumindo riscos que seriam fatais: no final da rodagem, ao tentar sair de Mariupol, Kvedaravicius foi morto por soldados russos — contava 45 anos.
“Mariupolis 2” existe porque Hanna Bilobrova, companheira de Kvedaravicius, conseguiu salvar o material filmado, depois organizando-o com a colaboração da montadora Dounia Sichov. Raras vezes vimos, assim, o efeito da guerra no dia a dia de cidadãos anónimos, tentando sobreviver a uma agressão que, sistematicamente, visa as habitações da população anónima. O cinema ajuda-nos, afinal, a seguir e conhecer melhor as convulsões históricas do nosso presente.