Quando chegou a ordem do tribunal, sem outro local para onde irem, ficaram ali mesmo na rua com os seus haveres.
No próprio dia do despejo, foi-nos pedido, a mim e ao repórter de imagem Jorge Ramalho, que passássemos a noite ao relento com os desalojados. Foi uma experiência que nunca esqueci. As pessoas ali na sua fragilidade, sem teto, com tudo o pouco que tinham – mobílias, eletrodomésticos, roupas… - todo o recheio das casas de repente colocado no meio da rua. Poucos, com exceção das crianças mais pequenas, idosos e doentes conseguiram abrigo da Segurança Social.
Dos que ficaram, poucos terão conseguido dormir naquela noite, mas vimos pessoas recolhidas a ensaiarem o descanso possível, deitadas em arcas de madeira ou sentadas em sofás.
De manhã, houve uma imagem que me marcou particularmente (uma imagem que associo à força de seguir em frente na adversidade). Um homem a fazer a barba e a olhar-se num pequeno espelho pendurado nem sei onde, preparando-se para ir para o trabalho.
A aparente normalidade da rotina diária justaposta à anormalidade desesperante, por certo, daquela situação.