Manuel partilha a mesa com mais quatro amigos, todos eles reformados, dois ex-fumadores. "É o veneno número um das pessoas. Até me revolto a ver essas raparigas novas a fumar. É uma pena", afirmam os 82 anos de Martins.
Na altura em que fumava, Martins não precisava de se levantar da cadeira para acender mais um cigarro. Hoje, vê com bons olhos os fumadores debaixo do toldo do café. "Os que vejo vão lá para fora fumar e acho bem, porque estávamos nós aqui metidos a comer aquele fumo".
Depois de um enfarte, o outro ex-fumador sentado à mesa com Manuel gostava de entrar na máquina do tempo e recuar até à época dos Descobrimentos para ter uma "conversinha" com Vasco da Gama.
"Eu gosto muito do meu país, admirei os grandes Descobrimentos, mas tenho uma raiva ao Vasco da Gama por ter trazido o tabaco que não faz ideia! Que trouxesse a pimenta, ainda é como o outro, agora o tabaco não", graceja Acácio Edgar.
Concorda com a lei em vigor e garante ter sido "das medidas mais acertadas que o Governo fez", pois na altura em que fumava cigarro atrás de cigarro, "fumava pela boca, os outros fumavam pelo nariz ou por onde quisessem, ainda para mais de borla porque quem comprava o tabaco era eu" - e volta a conquistar os risos da mesa.
No centro histórico do Porto, são muitos os estabelecimentos a ostentarem o autocolante vermelho com uma cruz por cima do desenho de um cigarro. No entanto, a revitalizada baixa portuense, repleta de novos bares/restaurantes, foi "obrigada" a investir para que aos dísticos vermelhos se juntassem os azuis, de permissão para fumar.
"Valeu a pena o investimento, porque hoje em dia as pessoas gostam de saber que podem ir a um restaurante e não precisam de se levantar para ir à rua fumar. A partir do momento que há exceções, nós tivemos de nos adaptar e é o que fazem a maior parte dos restaurantes, que hoje em dia têm espaços para as pessoas fumarem", explica Luísa Mexia Alves, proprietária do bar 3 C.
Para a responsável por este espaço no coração da baixa, que a partir das 22 horas deixa de ser restaurante para se transformar em pista de dança, o único inconveniente aparece no abuso espontâneo da clientela.
"A partir de uma certa altura as pessoas fumam em qualquer sítio e a parte dos não fumadores não é minimamente respeitada. É impossível controlar e, se o quisesse fazer, tinha de mandar toda a gente para a rua, chamar a polícia, enfim, ia ser um filme", desabafa, pronta a gastar mais uns milhares de euros num sistema capaz de resolver o problema do fumo extra.
No andar de cima do 3 C -- onde se pode fumar legalmente --, Manuel Reis apagou o décimo primeiro cigarro do dia. Não precisou de ir fumar para a rua, mas se tivesse de o fazer não se importaria minimamente. "A nova lei não inibe de fumar, até vemos as pessoas irem fumar para debaixo da chuva. Quem tem o vício de fumar não se importa", garante.
À frente de Manuel, Tiago concorda. Só sente mais incómodo quando lhe dá a "traça" por um cigarro numa discoteca. "Não se devia aplicar a lei nas discotecas, porque esses locais são para divertir e não há possibilidade de vir cá fora fumar", defende.
Para Luísa Mexia Alves, a lei será "sempre contornada" enquanto não for "rígida e radical" e não permita fumar em todo o lado. Até isso não acontecer, mesmo sendo proprietária de um bar onde existe zona de fumadores e não fumadores, chegará a casa depois de um dia de trabalho com o cheiro de quem fumou "três maços de tabaco", sem ter dado sequer uma passa.
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
Lusa