No dia 23 de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que o monkeypox (traduzido em português como varíola dos macacos*) passou a ser uma emergência de saúde pública de preocupação internacional (sigla em inglês PHEIC - Public Health Emergency of International Concern).
Elaborei 7 perguntas e respostas para ajudar a perceber o que isso significa.
- O que são emergências de saúde pública de preocupação internacional?
As PHEIC são uma classificação atribuída a agentes patogénicos – vírus, bactérias ou parasitas – cujo contágio apresenta três critérios: é extraordinário no sentido de ser inesperado ou desconhecido, a sua disseminação internacional representa riscos de saúde pública noutros países e requer intervenções coordenadas entre vários países.
O que está em causa são as dinâmicas e as implicações do contágio e não, por si só, a gravidade da doença.
- Quem declara as emergências de saúde pública de preocupação internacional?
As PHEIC são declaradas pelo Diretor-Geral da OMS ouvidas as recomendações de Comissões de Emergência compostas por especialistas de renome internacional. Esta classificação e as ações que os países estão obrigados a respeitar nessa circunstância estão inscritas do Regulamento Sanitário Internacional (RSI). A versão atual do RSI está em vigor desde 2007 é um dos dois únicos instrumentos multilaterais vinculativos da OMS, ou seja, que tem força de lei no sistema jurídico dos 194 estados-membros (o outro instrumento é a Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco).
- Que outros surtos foram classificados como emergências de saúde pública de preocupação internacional?
O monkeypox é o sétimo surto classificado como PHEIC. Todos os surtos foram causados por vírus: influenza H1N1 em 2009, poliomielite em 2014, ébola em 2014 e 2018, Zika em 2016, Covid-19 em 2020.
Outros surtos que apresentavam um ou vários critérios de PHEIC, mas que não obtiveram essa classificação foram: Síndrome Respiratória do Médio Oriente/MERS em 2013, febre amarela em 2016 e outro surto de ébola em 2018.
- Como é que se decide se um surto deve ser classificado como emergência de saúde pública de preocupação internacional?
A classificação PHEIC é obtida em reuniões das Comissões de Emergência através da resposta aos três critérios (ver pergunta 1). Um surto PHEIC não precisa de reunir os três critérios.
Não há um número fixo de reuniões para classificar um surto como PHEIC, até porque um determinado surto pode nunca vir a ser classificado como tal. Em relação ao monkeypox, a classificação PHEIC foi obtida na segunda reunião da Comissão de Emergência.
Embora os critérios de PHEIC pareçam claros, a sua interpretação e aplicação à vida real é muito mais complexa. Por exemplo, todos os surtos mencionados na pergunta 3 continham um ou vários critérios, mas nem todos foram classificados como PHEIC.
Não há um padrão sobre a forma como a OMS interpreta os três critérios de PHEIC. Por norma, os surtos considerados como eventos extraordinários e que requerem intervenções coordenadas a nível internacional causam maior preocupação.
Critérios complementares foram acrescentados para tornar a decisão mais explícita e fácil de consensualizar: se há transmissão comunitária; qual o conhecimento do agente patogénico e se há experiência em surtos anteriores; se tem implicações para eventos coletivos de grande dimensão; e qual o grau de complexidade da resposta exigida (por exemplo, se implica medidas de elevado impacto na vida coletiva ou respostas políticas consertadas em várias áreas de governação).
- Porque é que que o monkeypox foi classificado como emergência de saúde pública de preocupação internacional?
O monkeypox passou a PHEIC não por algum motivo de gravidade da doença face ao que já era conhecido. Trata-se de um vírus bem estudado e ativo em certas regiões do mundo (sobretudo na África ocidental e central) que causa quadros clínicos ligeiros a moderados. Vale a pena recordar os sintomas referidos pela médica Margarida Tavares, que coordena a resposta da DGS a esta doença.
O principal critério que tornou o monkeypox como PHEIC foi o facto de se registarem mais de 16.000 casos, em mais de 70 países e em apenas de 2 meses (embora apenas 5 mortes diretamente associadas). Logo, a sua transmissão está a ocorrer onde não é habitual e não é possível estabelecer contactos diretos com países onde o vírus é endémico. Acresce que também está a aumentar nas regiões endémicas e a afetar novos grupos populacionais (mulheres e crianças).
Portanto, trata-se de um surto inesperado e as suas causas continuam desconhecidas, o que define um evento extraordinário. Entre as linhas de investigação explora-se a sua mutação e/ou o facto de haver menor imunidade na população em virtude de a vacina contra a varíola ter deixado de ser administrada no decorrer da década de 80.
Associado a isso, o seu rastreio e contenção requerem intervenções de vigilância epidemiológica coordenadas a nível internacional, considerando que os esforços até ao momento não evitaram a situação atual.
Primeiro, porque há uma baixa disponibilidade de meios de diagnóstico e de terapêuticas (antivirais e vacinas). Segundo, porque há dificuldade de implementar um período de isolamento de 21 dias. Terceiro, porque o rastreio de contactos tem sido ineficaz devido ao perfil de contágio conhecido até ao momento. Sendo uma doença transmissível por contacto físico íntimo e prolongado, sexual ou de outro tipo, tem incidido sobretudo em homens que fazem sexo com homens e que mantêm vários parceiros.
- A decisão de classificar o surto de monkeypox como emergência de saúde pública de preocupação internacional foi consensual?
Não, por vários argumentos: que o risco de transmissão comunitária é limitado a nível mundial, registando-se sobretudo na Europa; que não há evidência de que o elevado ritmo de transmissão se mantenha; que o facto de estar a incidir sobre grupos populacionais bem identificados tornaria possível adequar medidas farmacológicas e não-farmacológicas (incluindo a comunicação) de forma mais dirigida; que o risco de estigmatização e marginalização destes grupos pode aumentar; e que a severidade da doença continua baixa e a resposta clínica adequada.
- Quais são os aspetos mais positivos ao declarar o surto de monkeypox como emergência de saúde pública de preocupação internacional?
Primeiro, a consciência internacional de que as respostas a nível nacional não estão a surtir o efeito desejável e que maior coordenação científica é desejável, tal como se fez durante a Covid-19.
Segundo, porque há a preocupação em garantir a produção e disponibilidade precoce de terapêuticas aos vários países, sobretudo aos de baixa renda.
Terceiro, porque a resposta foi desenhada a diferentes níveis, distinguindo os países que ainda não têm casos registados, os países que já lidam com possíveis transmissões comunitárias e os países onde o vírus é endémico e registam um aumento de contágio. Nos dois primeiros grupos de países há indicações claras sobre o tipo de estratégias a adotar em função das circunstâncias. No grupo de países onde o vírus é endémico, há a preocupação de desenhar respostas de “uma só saúde”, considerando a possibilidade real do contacto entre os humanos e outros animais trazer surpresas desagradáveis.
* Embora a designação “varíola dos macacos” tenha entrado no discurso comum, trata-se de uma tradução literal incorreta do inglês monkeypox. As autoridades de saúde devem pensar numa designação mais apropriada, da mesma forma que a varicela não foi traduzida como “varíola das galinhas” a partir da expressão inglesa chickenpox).