A Estratégia Nacional de Luta contra o Cancro, recentemente aprovada em 27 de dezembro de 2023, destaca a importância da elaboração de normas no pilar da Deteção Precoce. Contudo, surge a interrogação sobre a abordagem à prevenção do cancro hereditário, uma vertente que merece maior destaque no panorama da saúde em Portugal.
Pela primeira vez, o termo "cancro hereditário" encontrou expressão no documento oficial. O despacho aponta que este representa cerca de 5% dos casos de cancro no país. No entanto, algumas fontes indicam que esta percentagem pode ser mais elevada, estimando-se em 10% ou até superior. Uma mutação fundadora no gene BRCA2, com origem há centenas de anos num casal no interior do país, destaca Portugal como campeão europeu nesse aspeto. A ausência de discriminação entre cancro hereditário e esporádico no Registo Oncológico Nacional dificulta a obtenção de dados precisos, sendo urgente melhorar esta lacuna.
Nicoline Hoogerbrugge, coordenadora da Rede Europeia de Referência GENTURIS, alerta para o facto de apenas 20% a 30% dos portadores saudáveis ou doentes de cancro hereditário terem sido identificados. Esta realidade sublinha a necessidade imperativa de melhorar drasticamente a identificação de portadores de alterações genéticas.
O cancro hereditário, resultante da herança de uma cópia alterada de um gene dos pais, confere uma predisposição genética para o cancro desde o nascimento. Este tipo de cancro surge geralmente em idades precoces, afetando a produtividade e fertilidade, tornando-se uma condição dispendiosa e geradora de doentes "jovens" e mortes prematuras. A falta de consciência sobre a predisposição genética impede muitos portadores de participar em rastreios específicos, contribuindo para diagnósticos tardios.
A deteção precoce é crucial, mas a prevenção não pode ser negligenciada. Discordamos da ênfase exclusiva nas "Normas sobre Deteção Precoce do Cancro" sem mencionar a prevenção. Em casos específicos, a prevenção é possível através de cirurgias preventivas, uma escolha pessoal do portador que representa uma oportunidade valiosa.
Tanto a Estratégia Nacional quanto o Código Europeu contra o Cancro parecem negligenciar o maior fator de risco: a predisposição genética. É essencial compreender a complexidade das síndromes de cancro hereditário e os vários genes associados, cada um colocando diferentes órgãos em risco.
A EVITA, ciente das disparidades no percurso do portador, prepara-se para lançar a EVITA Platform em fevereiro. Esta interface digital, concebida de cidadãos para cidadãos, visa preencher lacunas identificadas, promovendo a interoperabilidade e futura integração no Espaço Europeu de Dados em Saúde. A EVITA Platform não só visa melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e portadores, mas também salvar mais vidas, proporcionando uma resposta eficaz aos desafios do cancro hereditário em Portugal.