Saúde e Bem-estar

Cancro da mama: SIC acompanha cirurgia que permite reconstrução com tecidos próprios, sem implante

A colocação de um implante é o método mais usado pelas mulheres com cancro da mama que têm de ser submetidas a uma mastectomia. Mas o transplante com tecidos próprios é a solução mais confortável e que evita maiores complicações ao longo da vida. O hospital de São José tem conseguido que a técnica chegue a cada vez mais mulheres e sem aumentar as listas de espera do Serviço nacional. 

Ana Peneda Moreira

José Silva

Eduardo Horta

Ana Carolino vai gravar no corpo os traços que dentro de 24 horas servirão como linhas orientadoras para uma longa cirurgia que lhe vai retirar por completo a mama esquerda. É vigiada desde os 17 anos, depois de lhe terem sido detectados vários quistos mamários.

Há cerca de três meses chegou a notícia que tinha esperança de nunca ouvir. Ana tem um tumor de origem maligna na mama esquerda.

Na mesma operação fará a mastectomia total da mama esquerda, também a redução da mama direita e um transplante. Quando acordar já terá a mama direita reconstruída com tecidos próprios sem necessidade de colocar qualquer implante

“Só quero é ficar bem. Preocupo-me um bocadinho, sim, porque nunca fui operada a nada. É tudo novo, é uma aventura”, explica Ana à SIC.

A coluna de som já está ligada. A cirurgia segue ao som da música e começa às 9:30. A sala de cirurgia do hospital de São José mal chega para tantos profissionais. São duas equipas em simultâneo. A de senologia, liderada por Maria Inês Morujao, e a de cirurgia plástica com os médicos Luiz Vieira e Luís Ribeiro.

A prioridade começa por retirar o gânglio sentinela. Em caso de cancro da mama é sempre o primeiro a ser afectado. Segue-se a mastectomia, ainda pelas mãos da senologista. Em simultâneo os dois cirurgiões plásticos trabalham sobre o abdómen de onde vai sair o tecido necessário para fazer o transplante da mama esquerda.

“Há outras zonas alternativas que não são tão boas, mas ainda assim bastante aceitáveis, que é a parte interna da coxa e a região glútea mais superior, na transição da zona lombar com a região glútea. Portanto, estas são as zonas mais frequentemente utilizadas, mas com grande preferência para a região abdominal”, explica Luís Mata Ribeiro, cirurgião plástico.

Do interior da mama mastectomizada saiu quase 1 quilo e 200 gramas de tecido. Feitas as contas e depois de reduzida a mama direita, serão preciso à volta de 500 a 600 gramas de abdómen para fazer o transplante.

“Nas doentes extremamente magras pode ser impossível, de facto, fazermos um transplante do abdómen. Mas eu diria que isso é relativamente incomum. Diria que, em geral, as mulheres magras têm mamas mais pequenas, por isso o transplante que precisamos de fazer é também mais pequeno”, diz Luís Vieira, cirurgião plástico

Mariana teve de engordar quatro quilos

Para a professora de ginástica Mariana Gomes, o exercício físico, mais do que uma profissão, é um estilo de vida. Engordou quatro quilos para conseguir um transplante de 270 gramas de mama. Descobriu que algo estava errado porque a filha começou a rejeitar o leite da mama esquerda.

Ouviu da boca de uma médica que colocar um transplante seria mais rápido e deixaria mais tempo aos médicos para operar outras doentes. Mariana Gomes respondeu que preferia viver sem mama do que ter um implante mamário.

"Para fazermos essa opção [a reconstrução com os próprios tecidos], a operação não pode ser tão rápida quanto a gente queria porque são várias equipas envolvidas e é mais complicado que possamos fazer a operação tão rápida quanto possível”, diz Mariana.

Há hospitais onde a possibilidade de fazer um transplante nem chega a ser debatida. Transplantar mama pode levar mais de horas. O longo tempo da cirurgia pesa num SNS com longas listas de espera. E pode também ser um fator de risco e exclusão para algumas mulheres para quem a prótese passa a ser a solução mais viável.

“Doentes mais debilitados, mais idosas, pode não ser a melhor opção. Portanto, a reconstrução com prótese aí pode ser uma boa opção. Por outro lado, em casos de reconstrução bilateral, sobretudo em casos que não há neoplasia, não há tumor, mas há risco de ter tumor, em que a mastectomia também não é tão agressiva, a prótese é uma boa solução. As doentes têm que ser envolvidas no processo e, depois de saberem as informações, também têm que decidir”, explica Luis Vieira.

Transplante mamário pode demorar mais de 7 horas

A pele foi preservada, mas o mamilo desapareceu, será aconselhada a fazer uma tatuagem mais tarde. Antes disso, voltará para uma segunda cirurgia com anestesia local para fazer alguns retoques. Quando voltar a tocar na mama, Ana Carolino encontrará um toque semelhante ao que sempre sentiu. A mama transplantada vai também envelhecer à velocidade do resto do corpo

“E, no fim, o que importa é que estas doentes reconstruídas com este método têm a vida pela frente com muito menos sequelas, em geral, do que as doentes reconstruídas com outros métodos”, diz Luis Vieira

“Os primeiros três meses são muito difíceis. Antes, temos imensa retenção de líquidos. Dói tudo. Depois, com muita drenagem, com muita fisioterapia, com muita estimulação a nível de movimento, os tecidos começam a ser maleáveis. Ao início temos que aprender a mobilizar o braço, porque ele não vai rodar desta forma, nós mal subimos o braço à altura da orelha, quanto mais ele rodar lá para trás”, relata Mariana Gomes.

Mariana decidiu ficar com a mama tal qual como foi reconstruída à primeira. Sem mamilo, sem a simetria que os médicos prometiam melhorar. À formação desportiva que já tem, quer agora juntar a de fisioterapia para poder ajudar mulheres com cancro. Muitas abandonadas por maridos e companheiros, ainda no hospital, no momento em que descobrem que vão perder uma mama.

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