Reportagem Especial

"Presos às Cinzas": a floresta parece regenerar mais facilmente do que aqueles a quem o fogo suspendeu a vida

Após os incêndios de Setembro, nas zonas afetadas ainda são muitas as vidas em suspenso. Há quem espere por apoios, há quem não pare mesmo com as dificuldades e há quem queira recuperar a floresta de uma forma diferente. "Presos às Cinzas" é a Reportagem Especial deste domingo.

Ricardo Venâncio

Paulo Fajardo

O fogo passou, mas as marcas deixadas teimam em relembrar aquele dia. Consumiram-se mais de dois meses e António Azevedo continua diariamente a limpar. Do fogo resultou a demolição de grande parte da casa e agora há apenas as paredes presas na memória.

Entre as muitas mãos que ajudaram até ao momento, há um casal que adquiriu um bungalow que é, por agora, a morada de António Azevedo e da mulher de há 43 anos.

promessas de apoios do Governo para a reconstrução. Ainda assim, o espírito não acalma e António não foi o único afetado nesta rua em Cavada Nova, na fronteira entre os concelhos de Águeda e Albergaria a velha. Por todo o lado é visível a dureza daquele dia de setembro.

Da empresa de brindes e publicidade de Cláudio Oliveira, pouco mais sobrou do que as quatro paredes e elas próprias estão em risco de ruir.

O desejo é continuar, mas no meio da destruição é difícil escolher um caminho. E por isso, lançou mãos à obra e arrancou com uma campanha de angariação de fundos numa conhecida plataforma digital.

Também na floresta, a visão é desoladora. Vieram governantes e grupos parlamentares, mas na zona do Ventoso, em Águeda, ainda há muitas dúvidas de como recuperar. Mas antes da floresta começar a encher-se de vida outra vez, há que cortar a madeira queimada. Neste caso, eucaliptos que valem agora menos de metade do rendimento esperado, de cinco a seis mil euros por hectare.

A oposição de alguns ao eucalipto, a falta de mão de obra para a floresta e sobretudo o ciclo do fogo, cria outra ameaça ao espaço rural - a do abandono.

Lentamente, também quem perdeu o sustento se tenta reerguer. É o caso de Hélio Domingues que em conjunto com a mulher e um empregado, constroem e cuidam de fornos para restaurantes e pastelarias em todo país.

A limpeza tem sido feita pouco a pouco e o mau tempo que chegou depois do fogo, abanou ainda mais a confiança. Só em material o prejuízo ascende a 150 mil euros. Isto sem contar com algumas máquinas e o edifício. A violência das chamas implica a demolição e pede-se ajuda para levantar, mas sobretudo urgência nos apoios prometidos.

Baixo Vouga com projeto pioneiro de gestão

Nove vítimas mortais, dezenas de habitações e empresas destruídas ou afetadas, serão a face mais imediata dos fogos que consumiram 135 mil hectares em setembro no país.

E é em parte dessa área agora ardida, que há quem queira aproveitar a tragédia para construir uma floresta diferente. Não tanto nas espécies, porque no Baixo Vouga, o eucalipto é importante na economia local, mas no ordenamento através das áreas florestais agrupadas.

A ideia é juntar mais 300 hectares através de 15 novas áreas florestais agrupadas, onde o direito de propriedade não é afetado. A funcionar estão sete, como esta em Castanheira do Vouga. 11 proprietários com um hectare cada, decidiram em 2018 fazer frente ao fogo com gestão e ordenamento.

Por aqui defende-se que o modelo de AFA, pode até ser incentivado pelo estado, e predefinir no território, onde e como se pode plantar eucalipto. Certo é que há muito por fazer na floresta. Mas a floresta ainda assim, parece regenerar mais facilmente, do que aqueles a quem o fogo suspendeu a vida. Os prejuízos ascendem a 170 mil euros e a cada 25 dias, há uma criação que não avança.

A estilha que serviria para o aquecimento e cobertura do aviário, esteve 15 dias a arder. Sérgio Domingues evitou vir aqui durante todo esse tempo, mas entretanto pôs mãos à obra. A ideia é colocar a estilha noutro pavilhão enquanto este não pode ser reconstruído.

Só na área de influência da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), até ao início de dezembro pediram-se 28,6 milhões de euros para apoios. Quase metade do valor chegou da agricultura no regime simplificado até seis mil euros, cujos candidatos foram quase 2.800 e cerca de 30% tinham obtido ajuda.

Autarquia de Águeda apoia limpeza de faixa de 200 metros

E é para evitar prejuízos que a autarquia de Águeda também pôs mãos à obra. Em nove aldeias, a população concordou em avançar para o alargamento das faixas de proteção de 100 para 200 metros. Moutedo, é uma das aldeias que quer mudar o paradigma do eucalipto, e será uma das abrangidas pelo projeto. Mas quem ache que os problemas são mais profundos, como a falta de acessos à floresta para trabalhar ou combater o fogo.

Ainda assim, nas nove aldeias, a autarquia irá apoiar com o corte da lenha queimada, a limpeza do que sobrar e a plantação de árvores autóctones. Depois da tempestade de fogo pode até vir a bonança, a acreditar que os desejos dos homens e mulheres afetados por um setembro negro, se possam transformar em realidade.

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