Reportagem Especial

"Quando tudo arde... não está tudo bem": os erros e polémicas do fogo na Madeira

Foi a tempestade perfeita: ao que era considerado “desnecessário” nos primeiros momentos do incêndio juntou-se calor, vento, acessos complicados ou inexistentes e a falta de limpeza de terrenos. Ao fim de 12 dias, o incêndio está dominado, mas a vigilância mantém-se "ativa".

Catarina Terroso

Hugo Veigas

Miguel Soares

João Costa

Tiago Romão

Isabel Cruz

O incêndio na ilha da Madeira começou a lavrar durante a madrugada de dia 14 de agosto na Ribeira Brava, numa zona de difícil acesso. Depressa se alastrou a outros concelhos.

Na encosta íngreme da Fajã das Galinhas, o fogo passou perto das casas, mas foi a instabilidade do solo e o perigo de derrocadas que obrigou mais de 120 pessoas a sair de casa. Algumas, fartas dos mesmos problemas todos os anos, já nem querem voltar.

Ao terceiro dia de incêndio, partia de Lisboa um contingente de reforço com dezenas de operacionais a caminho do Funchal.

De férias em Porto Santo, Miguel Albuquerque teve de fazer o mesmo e interromper a estadia. Visitou Câmara de Lobos e a Ribeira Brava, até então os concelhos mais afetados pelas chamas.

A arder há dias e com os bombeiros ocupados noutras zonas, durante a tarde de domingo a vigilância esteve a cargo dos moradores, que ao final da noite tiveram de arregaçar as mangas.

O vento forte projetava fagulhas a metros de distância e, em poucos minutos, o fogo varreu a encosta e seguia caminho até à população. Sem água em casa e de coração nas mãos, a Conceição valeu-lhe a prontidão dos vizinhos e dos agentes da PSP no local, enquanto desesperava pelos bombeiros.

"Estar uma vida a fazer uma casa e num sopro, num momento, acontecer uma tragédia destas. Não havia bombeiros suficientes, portanto tiveram os polícias e dois ou três bombeiros a apagar os fogos de balde, porque não havia água”, contou à SIC.

O Presidente Regional da Madeira ainda assim acreditava que estava tudo controlado e decidiu regressar às espreguiçadeiras da ilha dourada.

Orlando e Virgínia, casados há mais de 30 anos, nunca viram um incêndio assim.

“Eram 05:00 da manhã e ainda não tinha pegado no sono. Porque estamos aqui a ver aqui pelas janelas, a gente olha para aquele lado, vemos aquele lume. A pessoa começa a pensar e nem sequer dá sono. Não dá sono.”

"Eu começo logo a chorar, penso que os meus pais me deixaram a minha fazenda e que agora ficava sem nada. Só quem passa por isto é que acredita.”

O casal mora no Curral das Freiras, à frente da estrada, a única com acesso para entrar ou fugir.

Mais acima, no Pico Furão, Agostinho ficou sem a casa de família que já vinha dos sogros.

“Os filhos foram criados ali naquela casa e depois eu comprei a fazenda, renovei a casa novamente e esta manhã foi tudo embora, fiquei sem nada”, contou à equipa da SIC.

Polémica sobre os meios aéreos foi rápida a instalar-se

São perto de 750 quilómetros quadrados de arquipélago para apenas um helicóptero. O Governo não vê necessidade para mais e a Proteção Civil regional apontava para o Executivo em Lisboa.

O uso dos canadair foi tema durante toda a semana, com vários especialistas a defender que seriam fundamentais para fazer frente ao fogo, mas o responsável da Proteção Civil Regional dizia que não.

O fogo não esperava e os bombeiros apenas podiam fazer faixas de contenção e deixar arder. As chamas tomavam conta do maciço central. Na cordilheira já ardia a zona mais alta da Madeira, Pico Ruivo. O objetivo era travar os avanços até ao Pico do Areeiro, para evitar abrir caminho para a capital.

Na quarta-feira, os bombeiros da ilha voltaram a ser reforçados pelo Continente, numa altura em que Miguel Albuquerque regressava, mais uma vez, de férias, com pompa e circunstância para para comemorar o dia da cidade do Funchal, alheio à frustração e desagrado dos madeirenses.

"A mim ninguém me dá lições porque eu, ao contrário de outros, nunca deleguei as minhas responsabilidades a ninguém, nem disse que a culpa era dos técnicos. Eu assumo as minhas responsabilidades políticas. Se me tentarem intimidar a achar que eu vou ficar com stress, estão muito enganados”, afirmou.

Horas mais tarde, e depois de dias de avançada a notícia e prontamente desconfirmada pelo Governo, a SIC captou o telefonema que viria a ditar o rumo da situação. Pressionado pelas críticas, Miguel Albuquerque cedia e pediu ao Ministro dos Negócios Estrangeiros para ativar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil.

Os dois Canadairs chegaram de Málaga ao Porto Santo, onde abasteceram com água doce e começaram no mesmo dia a atuar no maciço central.

Com capacidade para seis mil litros, seis vezes mais do que o helicóptero da ilha, abrandaram as chamas e o pior foi evitado.

Os especialistas alertam para os danos na biodiversidade, espécies raras, alguns em perigo de extinção. Os danos vão demorar décadas a recuperar. A Liga dos Bombeiros defende a criação de uma comissão técnica porque acredita que há explicações a dar.

A população agradece o trabalho dos bombeiros e lamenta que talvez sejam poucos para tanto trabalho. O incêndio continua dominado, mantendo-se uma situação de "rescaldo" e de "vigilância ativa" para evitar reacendimentos.

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