Boa Cama Boa Mesa

Petiscos obrigatórios para conhecer os sabores do Alentejo

Região ampla onde habita uma das mais entusiasmantes cozinhas do país, o Alentejo é pródigo em bons produtos, confecionados com imaginação e mestria que dão origem a petiscos envolventes para saborear sem pressa. Dos enchidos à caça, renda-se a estes pratinhos alentejanos, que estão em destaque no novo guia “Tascas, Petiscos & Doces”.

Boa Cama Boa Mesa

É no Alentejo que se celebra e prova uma das mais entusiasmantes cozinhas do país. Ao longo dos séculos, a escassez e a necessidade aguçaram o engenho e a criatividade de extrair o máximo sabor de produtos simples e abundantes no campo. Os pratos alentejanos têm, por isso, uma base comum e fundamental: pão, azeite e ervas aromáticas. O resultado é uma cozinha de conforto que balança entre a terra e o mar, com os petiscos apetitosos e incomuns baseados no aproveitamento a casarem com o abundante vinho da região.

Pezinhos de coentrada
São os pezinhos do bácoro, criado nos campos do Alentejo, que servem de base para esta receita. Se muitas vezes, antigamente, as orelhas e o rabo eram assados logo na matança, estes pezinhos precisavam de uma confeção mais demorada. A textura gelatinosa da cartilagem e da pele pode ser motivo de alguma hesitação em provar este petisco, mas depois de o conhecer bem, quanto menos “partidinhos” e moídos mais saborosos. Prove-os de forma tradicional n’O Adro, em Pias. A receita integra alho, coentros, além de vinagre e farinha no molho, e pode juntar ovos, mas há quem coloque sopas de pão e verta o caldo e os pezinhos por cima.

Túbaros
José Galante, da adega de talha com o mesmo nome, localizada em Vila de Frades, no concelho da Vidigueira, sabe da confeção meticulosa deste petisco há mais de 50 anos. Em criança já acompanhava o tio, Zé Maria Baião, capador de profissão. Diz para pedir os túbaros (testículos de porco) já sem película no talho: “É meio trabalho feito”. Corta-os aos pedacinhos e deixa marinar de um dia para o outro, em alho, pimenta, louro, vinho branco e vinagre. Frita em azeite, junta a marinada aos poucos, e, por fim, os ovos mexidos. No São Martinho prevê inaugurar a taberna na mesma morada, em Vila de Frades. Por agora prove, por encomenda, esta e outras raridades na adega deste “petisqueiro de mão-cheia”.

Cabeça de xara
Preparada a partir da cabeça de porco, sem miolos nem papada, com ossos de espinhaço, é uma receita trabalhosa. Perfumada, a Cabeça de xara requer ervas aromáticas com fartura, de manjerona a lúcia-lima, passando por coentros, salsa e hortelã. Na Mercearia Gadanha, em Estremoz, prova-se fatiada bem fininha com um toque exótico, pimenta preta em grão e sumo de lima. A origem deste petisco, já mencionado em livros no século XVIII, é um mistério. A história divide-se entre os franceses que a levaram do Alentejo e renomearam de “Tête d’achard”, ou o contrário, conforme defende o escritor e gastrónomo Manuel Camacho Lúcio, originário de Moura.

Tordos
Sempre se caçou no Alentejo. As armas e o gosto pela caça passavam de pais para filhos. É assim que surgem petiscos como os tordos, aves pequenas, muito apreciadoras de azeitonas. Os Tordos fritos são preparados por um caçador, Eduardo Dias, que comanda a cozinha do restaurante O Repuxo, em Mértola. Juntamente com Fernando Mestre, também ele homem de caça, desde o final dos anos 80 que brindam Mértola com este petisco e outros, como coelho bravo, javali e veado. Aqui, neste ponto de encontro da capital da caça, os Tordos fritos preparam-se com azeite, alho, louro e vinho branco. Coma à mão, sem cerimónia.

Presunto de bolota
O Presunto/Paleta de Barrancos DOP, nascido do convívio luso- -castelhano que caracteriza a vila raiana, sendo dos poucos que em Portugal é seco em vez de fumado, é homenageado e degustado diariamente no restaurante Esquina, em Barrancos. Peça um pratinho deste presunto de porco de raça Alentejana, que pasta em total liberdade no montado. Alimenta-se sobretudo de bolota. Tome o seu tempo para o saborear as fatais fininhas. É difícil por ser tão guloso, mas mastigue uns segundos para sentir a “gordurinha” boa e toda a intensidade de sabor. Pode até fechar os olhos para intensificar a experiência no restaurante A Esquina.

Cachola
Feita com as miudezas do borrego – cachola (fígado), bofe (pulmões), coração – bem picadinhas e fritas, é petisco conhecido por Cachola na zona de Serpa. Surgiu provavelmente da necessidade de aproveitar todo o animal e da impossibilidade de guardar as vísceras. No próprio dia da matança do borrego, era muitas vezes frita nas “gordurinhas” do próprio. No Café Sevilha, em Serpa, é feita na frigideira com alhinhos picados, louro e vinho branco. A qualidade do borrego alentejano acaba por destacar os ensopados ou assados no forno, mas há diversas sugestões de petiscos, como a Mioleira com ovos ou a Cabeça assada, ótimas para picar.

Salada de orelha
Esta é uma receita de família, trabalhosa e muito especial na confeção e apresentação. A orelha de porco exibe uma certa caramelização e um travo da grelha. É ainda cortada muito fininha, em vez de aos cubos, como é mais frequente. Tempera-se com azeite, coentros e vinagre. N’O Moinho do Cu Torto, em Évora, Célia Garnacha comanda a cozinha mas recebeu os ensinamentos da fundadora da casa, Fátima Salvador, filha de uma grande cozinheira, a avó “Quinita”. As receitas são as que se faziam na casa de família, mas com um toque de refinamento, para apreciadores mais exigentes. Contam ainda com a inspiração do marido, Ludgero Salvador, que a bebeu dos primórdios do restaurante eborense Fialho.

Este texto foi adaptado do guia “Tascas, Petiscos & Doces”, com produção Boa Cama Boa Mesa, nas bancas a partir de sexta-feira, dia 24 de novembro.

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