Os Protagonistas

“A qualidade deteriorou-se e os partidos não têm o mesmo prestígio; a preparação cultural e intelectual dos protagonistas é inferior”

Numa conversa marcada por duas efemérides especiais para si, José Manuel Durão Barroso fala à SIC dos momentos mais definidores do seu percurso público e pessoal. Vinte anos depois de se tornar presidente da Comissão Europeia e meio século depois do 25 de Abril, que viu de perto, o português reconhece que não é tão unânime no seu país de origem quanto os pares europeus, mas não mostra ressentimento. Oiça aqui a entrevista ao podcast Os Protagonistas, de Sebastião Bugalho

Sebastião Bugalho

João Martins

Durão Barroso diz-se “perfeitamente consciente” de que não obteve a “beatificação” de outros e até aponta uma explicação para isso. “Talvez por ser olhado como um político. E os políticos, por natureza, dividem”. Mesmo assim, apesar disso, o ex-primeiro-ministro não deixa de defender a política. “É mais honesta e transparente do que outras atividades: assume o conflito”. Mas salienta que, sem “satisfação”, é impossível sobreviver à sua “dureza”.

Sobre o seu legado como primeiro português ‒ e primeiro não oriundo de um Estado fundador ‒ a liderar a União Europeia, Barroso considera ter “levado uma sensibilidade portuguesa para as funções”. “Com um holandês, teria sido diferente”, garante, recordando as tentativas de persuadir Angela Merkel “a ser mais generosa na extensão das maturidades e na redução dos juros aos países sob programa, como Portugal”.

Sobre a vida interna do país, não foge ao combate político. Critica a remoção dos símbolos nacionais da identidade institucional do Governo e lamenta a degradação dos serviços públicos e do acesso à habitação, assim como da classe política, “do ponto de vista cultural e intelectual”. “Há menos entusiasmo pela política. A função desvalorizou-se. A qualidade deteriorou-se. Os partidos não têm o mesmo prestígio. A preparação dos protagonistas é inferior”, avalia.

À direita, deixa o conselho de não ter medo de palavras como “família” ou “patriotismo”. Para ele, que foi secretário de Estado, ministro, líder da oposição e chefe de Governo, “ser Presidente da República é a maior honra que um português pode ter a nível nacional”. Do atual executivo, faz um diagnóstico negativo: “Portugal é hoje o mais pobre da Europa Ocidental, como foi antes de Abril de 74”.

Durão Barroso, que atravessou o Tejo no cacilheiro para ir ao quartel do Carmo, olha para a Revolução como a data como a “mais importante” da sua vida política. “Era alegria, era plenitude, era a sensação de que tudo podia mudar. Foi ver a política na sua expressão mais radical, mais forte”, diz, sobre o 25 de Abril.

Aquilo que o atraiu na política “não foi o poder”. “Foi o viver e compreender o momento em que as decisões são tomadas”. Ter começado cedo, conta, fê-lo “perder o fascínio pelo poder” por si só, quase como um antídoto contra o deslumbramento.

Acerca do seu percurso, diverso em ideologia e experiências profissionais, não esconde o gosto pela variedade. “Se temos oportunidade de experimentar várias vidas numa só vida, melhor assim”, sorri. Sobre o futuro, é mais soturno e deixa avisos que vai recolhendo pelo mundo fora. “A Europa está muito preocupada com a hipótese do regresso de Donald Trump. O primeiro papel da União Europeia é proteger os europeus. Temos a NATO, mas a UE tem de ter uma dimensão política de segurança”. Os últimos anos que o digam.

A caminho das eleições, a SIC Notícias apresenta 'Os Protagonistas'. Da direita à esquerda, dos senadores aos estreantes, Sebastião Bugalho entrevista uma série de personalidades da política nacional até ao dia em que todos seremos, mais uma vez, chamados a votar. Até lá, programas serão apresentados, debates serão travados e um país percorrido. Pelo caminho, teremos realmente entendido quem são os nossos protagonistas? Se os políticos não são todos iguais, o que têm em comum entre eles? Que poder têm, não os políticos, mas os que passaram pela política? Todas as terças-feiras um novo episódio.

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