O Futuro do Futuro

“Tudo que acontece na Antártida não fica na Antártida, as alterações climáticas e o degelo têm efeitos em Lisboa, Londres, e todo o planeta”

Catarina Frazão Santos, investigadora Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tem em mãos um projeto inédito na história da Humanidade: desenvolver o primeiro plano de ordenamento do espaço marinho que circunda a Antártida. “Tudo aquilo que acontece na Antártida não fica na Antártida. Todas as alterações climáticas, todo o degelo, tanto do ponto de vista mais físico como biológico, tem efeitos em todo o mundo”, diz a cientista no podcast Futuro do Futuro. Oiça aqui a entrevista completa

O Futuro do Futuro

Os manuais de escola são parcos em informações sobre a chegada de navegadores portugueses à Antártica, mas Catarina Frazão prepara-se para fazer história na redescoberta do mais gelado dos continentes. A professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) é a coordenadora do projeto PLAnT, que pretende criar o primeiro modelo de ordenamento do espaço marinho que está sob jurisdição internacional. O projeto, que garantiu um investimento de cerca de 1,5 milhões de euros, tem uma duração de cinco anos e já contempla os efeitos nefastos das alterações climáticas, explica a cientista em entrevista ao podcast Futuro do Futuro.

“Tudo aquilo que acontece na Antártida não fica na Antártida. Todas as alterações climáticas, todo o degelo, tanto do ponto de vista mais físico como biológico, tem efeitos em todo o mundo. Tem efeitos em Lisboa, tem efeitos em Londres, tem efeitos por todo o planeta”, alerta a cientista, sem deixar de fazer a comparação: “Como há muitos anos se falava da floresta amazónica e de como era o pulmão do planeta, a Antártida é fundamental para o oceano, a nível do planeta inteiro”.

Mesmo sem ainda ter iniciado o trabalho na zona costeira da Antártica, a cientista da FCUL sabe que a espera uma missão especialmente complexa: Argentina, Austrália, Chile, França, Nova Zelândia, Noruega, e Reino Unido já apresentaram planos com vista a reclamar a soberania de parte da Antártica.

A estes projetos juntam-se ainda as presenças de bases científicas de vários países – e o facto de estar em vigor um tratado que pretende manter o continente desmilitarizado e com fortes restrições no que toca à exploração de minérios e outros recursos naturais. O que não impede que surjam relatos nem sempre auspiciosos sobre pesca abusiva e regras que permitem que pescadores e embarcações se inspecionem mutuamente.

“Isto falha também em terra, a parte da fiscalização, não é? E no mar será mais ainda”, admite Catarina Frazão Santos.

À atividade da pesca, junta-se o crescente turismo. Durante os cinco anos do projeto, a equipa liderada pela cientista portuguesa vai definir as regras que suportam o futuro ordenamento do espaço marinho envolvente à Antártica – mas não vai esperar os cinco anos para dar a conhecer as propostas finais.

“O objetivo não é desenvolvermos um sistema de planeamento todo muito bonito para, no fim, apresentarmos às pessoas que trabalham na região e à Comissão Europeia. O objetivo será discutir com quem pode decidir o que é que se faz durante estes cinco anos”, refere a investigadora.

Foi devido ao Projeto PLAnT que Catarina Frazão Santos trouxe, em resposta a um dos desafios do Futuro do Futuro, uma ilustração que pretende dar a conhecer os diferentes intervenientes que podem ser encontrados hoje na Antártida.

É também em jeito de alerta para as alterações climáticas que a bióloga, que se especializou em gestão ambiental dos mares, trouxe para o Futuro do Futuro um excerto do documentário Our Planet - Frozen Worlds, que conta com David Attenborough. Neste excerto, Attenborough descreve a redução das quantidades de krill que alimenta as baleias-jubarte, que escaparam à extinção provocada pela caça, mas agora são afetadas indiretamente pelas alterações climáticas.

“Os oceanos estão todos ligados e, portanto, há toda uma circulação que passa por todo o planeta e que tem locais de arrefecimento, tem locais de aquecimento e as alterações no Oceano do Sul (a faixa oceânica à volta da Antártica) vão ter impacto a nível mundial”, explica a cientista.

A fauna marinha depende muito das condições que a Antártida ainda vai garantindo apesar dos recordes negativos do degelo, mas para os humanos a diminuição da camada de gelo abre novas perspetivas de exploração e permanência no local. Catarina Frazão Santos mantém a convicção de que o tratado que vai mantendo a Antártida como uma terra de todos e de ninguém vai continuar a ser respeitado, mas também sabe que a história da Humanidade está cheia de regras que não foram respeitadas.

A Antártida vai ter um novo modelo de ordenamento, mas pode servir também de exemplo para outros países na gestão da área costeira – entre eles Portugal, que já tem um plano de ordenamento gizado, mas não contempla a sustentabilidade do planeta.

Catarina Frazão Santos lembra que nem Portugal, nem nenhum outro país, “tem um plano de ordenamento de espaço marinho inteligente do ponto de vista climático. Ou seja, que por um lado promova a adaptação às alterações climáticas e que, por outro lado, integre informação climática”.

Talvez a mudança tenha de começar mesmo na Antártida.

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