Humor à primeira vista

Batáguas: “Não tenho nada contra a televisão, mas não posso fazer o que me apetece na TVI ou SIC; mal ou bem, o YouTube paga-me as contas”

O humorista está de volta ao YouTube com “Conteúdo do Batáguas“, uma espécie de “Relatório DB“ em esteróides. Desta vez tem condições muito semelhantes a uma produção televisiva: é gravado em estúdio com público ao vivo, tem uma equipa de guionistas e passa a ser quinzenal. No regresso ao podcast Humor À Primeira Vista, Diogo Batáguas explica de que forma teria interesse em fazer este conteúdo na televisão, afirma que anda a enganar as pessoas e compara o regresso de Jon Stewart ao “The Daily Show“ a voltar a ver uma velha glória do futebol no clube do coração

Humor à primeira vista

É arriscado fazer um conteúdo com este nível de produção?
Sim, financeiramente é arriscado, estamos ali a meter dinheiro. E é arriscado porque há mais coisas que podem correr mal também.

Como por exemplo?
Quando fazia o "Relatório" contra a parede enganava-me dezenas de vezes. Voltava para trás, repetia. Agora estava com medo de criar uma má experiência para o público que foi assistir ao vivo. Acho que não passou isso. Mas se a gravação fosse semelhante a alguns dos "Relatórios" não tinha graça nenhuma para quem está a ver. É só uma estupada de uma hora ou duas de um gajo a ler, a dizer coisas, a enganar-se e a repetir.

Faz sentido para um humorista que criou o seu público na internet ir trabalhar para a televisão? Um meio onde o público vai ser completamente diferente.
A única hipótese de isso fazer mais ou menos sentido nesta altura era no fundo comprarem o meu programa e se quiserem ponham também no ar na vossa televisão. Mas deixem-me fazer à minha vontade tudo o que faço e pôr no YouTube na mesma.

Se pensarmos nos melhores resultados que tiveste, à volta das 400 mil visualizações. Sabemos que as audiências da televisão estão a descer.
Não tenho nada contra a televisão. Nunca houve abordagens para meios tradicionais. E sempre que trabalhei em meios tradicionais nunca correu muito bem. Nunca fui um grande radialista. Nunca tive sucesso noutra área e esta, mal ou bem, está a pagar-me as contas.

Vamos imaginar que ias para a televisão. Achas que ficava a ideia de que te iam buscar para competir em termos de audiências com um programa como o “Isto É Gozar Com Quem Trabalha”.
Pois, não faz sentido. Para mim ia ser horrível. Quem é que este gajo pensa que é? Vamos supor que ia para a TVI agora fazer os domingos à noite neste registo. É um tiro no pé da TVI. Então estes gajos vão buscar um Ricardo Araújo Pereira de marca branca? Para fazer uma coisa parecida quando os outros têm um gajo que tem 2 milhões de pessoas a ver aquela macacada e é o humorista mais conceituado da sua geração e quase do século XXI em Portugal? Não faz sentido.

E acredito que tu também não queiras estar nessa posição.
Pois, e depois não posso fazer o que me apetece na TVI ou na SIC, em princípio. Querem dar-me muito dinheiro para eu ir para aí? A gente conversa. Mas eles não querem e eu também estou bem na minha vida como estou. Não é aqui uma coisa de estar a cagar-me para eles e ir ganhar no meu caminho. A minha vida está a correr bem, deixa ir.

Há um grupo de guionistas por vocação e intérpretes por acidente, ao qual pertencem Ricardo Araújo Pereira, Joana Marques, Manuel Cardoso, entre outros... Também pertences a este grupo?
Eles são mesmo guionistas, eles têm essa conversa. "Antes de tudo eu sou da palavra". Eu não pertenço, porque eles escrevem bem e eu não escrevo bem. Eu não escrevo muito bem, tanto que tenho de recorrer às vezes a artifícios. Não sou muito bom em nada. E o meu objetivo é tentar enganar as pessoas, fazendo com que elas acreditem que eu tenho algum interesse, mas não tenho. Tenho que me esforçar muito.

Vejo o Manuel, se for preciso, vai para o cantinho ali um bocado e tira um TikTok incrível, divertidíssimo da cartola. Em texto, depois vai ter de gravar.

A Joana Marques, a dada altura, andava a fazer cinco "Extremamente Desagradável" por semana, a escrever no "Isto É Gozar Com Quem Trabalha", a fazer a crónica para a Visão e a ser jurada dos Ídolos, mais o Irritações e ainda tinha um anúncio que fazia e escrevia no intervalo do programa do Ricardo. Eu olhava para aquilo e pensava: "Não é possível". Eu se tivesse que fazer um episódio do "Extremamente Desagradável" por semana estava exausto. Tenho mesmo de pensar, cansa-me, tenho mesmo de me esforçar. Não tenho aquele dom que essa rapaziada tem. Senta-se, ouve uma coisa qualquer e tira da cartola em meia hora uma crónica do caraças, ou seja o que for. Por isso é que eu faço coisas complexas.

O Jon Stewart está de regresso ao "The Daily Show". O segundo programa começa com os comentários ao primeiro episódio, de pessoas indignadas por ele estar a fazer piadas sobre o Joe Biden.
O Jon Stewart cometeu a heresia de fazer piadas relativas à sua fação política, o que hoje é dramático.

E é equivalente a apoiar o outro lado.
És fascista, acho eu. Dá-me ideia que és fascista por "fazeres" equivalências que na verdade não fazes. Esse texto está muito bem construído porque ele consegue ao mesmo tempo fazer as piadas que tem de fazer (todas legítimas) em cima do Biden, sendo ele do partido democrata, batendo depois no outro lado de forma absolutamente justa e tu percebes que ainda assim não há comparação.

Tu podes fazer piadas com o teu lado e esmagar o teu adversário. Podes fazer piadas sobre os dois lados sem que isso trace uma equivalência moral entre os dois. É evidente quando ele faz piadas sobre o Biden e sobre o Trump que ele despreza absolutamente aquilo em que se tornou hoje o partido republicano, que é fação extremista e basicamente neofascista, quase.

Gustavo Carvalho entrevista pessoas para quem a comédia é paixão e profissão. Oiça aqui mais episódios:

Últimas