O primeiro-ministro não ouviu o Presidente da República, antes da comunicação que fez ao país, no último sábado, na sequência da polémica com a empresa familiar que mantinha. À SIC, Marcelo Rebelo de Sousa disse que Luís Montenegro está no direito de não lhe ligar, mas notou que podia ser do interesse do chefe do Governo ouvir a opinião do Chefe de Estado, o que não aconteceu.
Esta já não é a primeira vez que o Presidente da República não é avisado pelo primeiro-ministro acerca de decisões políticas. Na realidade, é já o quinto momento em que acontece. Eis o histórico dos controversos silêncios.
A constituição do Governo
O primeiro momento aconteceu logo na formação do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a queixar-se de que Montenegro estava a constituir a equipa "em sigilo".
Ainda mal Montenegro tinha tomado posse, já o presidente o classificava como "uma pessoa que vem de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais".
A escolha da comissária europeia
Um segundo momento aconteceu quando foi preciso escolher o nome português que substituiria Elisa Ferreira na nova Comissão Europeia.
A escolhida foi a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque. Mas, uma vez mais, Marcelo Rebelo de Sousa só soube à última hora - foi informado da decisão na manhã em que o nome foi anunciado.
A nomeação do novo PGR
Mais um episódio em que o sigilo de Montenegro afetou a relação com o Presidente da República foi durante a escolha de Amadeu Guerra para suceder a Lucília Gago na liderança do Ministério Público.
Também dessa vez não houve informação prévia do Presidente sobre quem seria o próximo procurador-geral da República. Uma verdadeira operação relâmpago, que deixou marcas em Belém.
O caso Gouveia e Melo
No processo de sucessão de Gouveia e Melo na Armada, em que o Presidente da República tem uma palavra a dizer, o Governo também só informou o Chefe de Estado à última hora.
Na cerimónia de apresentação de cumprimentos de boas festas, no Palácio de Belém, Marcelo Recebo de Sousa queixou-se de que a solidariedade institucional não basta e que tem de haver cooperação estratégica.
Durante esta crise política, por causa da empresa da família de Luís Montenegro, o primeiro-ministro queixou-se de devassa. Já o Presidente da República disse que é normal políticos serem escrutinados.
"Montenegro nunca confiou em Marcelo”
Martim Silva, da SIC, nota que a falta de sintonia entre o Presidente da República e o primeiro-ministro não é de agora (e que tem gerado algumas irritações a Marcelo Rebelo de Sousa).
O jornalista considera que, mais do que ser informado, Marcelo Rebelo de Sousa gostaria de ser tido na discussão prévia das decisões tomadas por Luís Montenegro. Mas, afirma, o primeiro-ministro “nunca confiou verdadeiramente em Marcelo Rebelo de Sousa”.
Martim Silva refere que, apesar de serem do mesmo partido, Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa não vêm da mesma “ala” política nem são da mesma “geração” e, que, nunca se estabeleceu uma relação de confiança por estes motivos.
O jornalista nota como, apesar de serem de partidos diferentes, o Presidente da República tinha até uma relação de maior proximidade com o anterior primeiro-ministro, o socialista António Costa.
“São ambos de Lisboa. António Costa foi até aluno de Marcelo Rebelo de Sousa. Provavelmente, têm mundividências muito mais próximas", comenta.
No entanto, esta falta de confiança torna-se particularmente relevante quando o Chefe de Estado cumpre o último ano de mandato – e procurará não se tornar “recordista” de dissoluções parlamentares.
“Uma vez mais, uma ameaça de uma crise política cai em cheio em Belém”, aponta Martim Silva.