País

Natureza "levará décadas" a recuperar dos incêndios na Madeira

Desde que deflagraram os incêndios, no passado dia 14, os incêndios "já consumiram mais de 8 mil hectares, o que corresponde a 14% da área florestal da ilha da Madeira".

Verónica Moreira

Os grandes incêndios que têm assolado a Madeira desde a passada quarta-feira, "além do perigo para as pessoas", estão também "a pôr em risco a única colónia de nidificação do mundo de freira-da-madeira".

O alerta é da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que através de uma nota enviada às redações garante que para esta "ave marinha ameaçada", o fogo aconteceu "na pior altura: quando as crias estão nos ninhos, a ser alimentadas pelos progenitores".

Segundo o comunicado enviado esta manhã, a SPEA refere que "com o combate às chamas dificultado pela falta de meios aéreos capazes de atuar em condições de vento", a natureza da ilha "poderá estar a sofrer danos irreparáveis".

"No Curral das Freiras, o fogo alastrou-se através da área de nidificação da freira-da-madeira. Alguns dos adultos podem ter fugido, mas com os incêndios as crias podem ter morrido queimadas, de inalação de fumo ou por desabamento dos ninhos", calcula Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira.
"Nesta altura, mesmo que os adultos tenham sobrevivido, o sucesso reprodutor deste ano está seriamente afetado, visto que estas aves só põem um ovo por ano. Isto é especialmente grave porque estamos a falar dos únicos ninhos do mundo", lamenta.

A freira-da-madeira é "uma das aves marinhas mais ameaçadas do mundo", e inclusive chegou "a ser considerada extinta até finais da década de 1960". Atualmente considerada "em perigo" de extinção, "a espécie conta com 65 a 80 casais, que nidificam apenas em pequenos patamares acima dos 1.600m de altitude, entre o Pico do Areeiro e o Pico Ruivo — precisamente a zona afetada pelo incêndio".

"Estes incêndios vêm agravar a situação já periclitante da freira-da-madeira, que já em 2010 foi gravemente afetada pelos fogos que atingiram a área e causaram a morte de 98% dos juvenis e de um número indeterminado de adultos, e destruíram 80% dos ninhos", diz o comunicado.


Floresta madeirense pode estar a ficar "cada vez mais apta a arder"

"Igualmente preocupantes são os impactos destes incêndios na vegetação, que mostra indícios de entrar num ciclo vicioso", garante o comunicado.

De acordo com a nota, desde que deflagraram os incêndios, no passado dia 14, os incêndios "já consumiram mais de 8 mil hectares, o que corresponde a 14% da área florestal da ilha da Madeira". "A conflagração afetou o Parque Natural da Madeira, bem como as áreas de Rede Natura2000 da Laurissilva e do Maciço Montanhoso", pode ler-se.

Se "o incêndio de 2010 criou as condições para que plantas invasoras como a giesta se espalhassem nestas áreas", plantas essas que "são muito mais propensas ao fogo do que as plantas nativas da Laurissilva", pode também "ter ajudado a permitir que o incêndio deste ano alastrasse com mais facilidade. Se não houver esforços significativos para impedir que as plantas invasoras alastrem mais, corremos o risco de ter uma floresta cada vez mais apta a arder", diz Cátia Gouveia.

"É já certo que as repercussões vão sentir-se durante anos. No Pico Ruivo, as chamas estão a destruir vegetação de urzal de altitude, que tem um papel fundamental em manter os recursos hídricos da ilha. Com este ecossistema desestabilizado, irá agravar-se o risco de derrocadas e inundações nos meses de inverno", aponta.
"Para já, é urgente mobilizarem-se mais meios de combate aos incêndios, incluindo meios aéreos com capacidade de chegar às áreas inacessíveis mesmo em condições de algum vento", frisa ainda Cátia Gouveia.
"Mesmo quando o incêndio estiver extinto, não será o fim. Vão ser precisas décadas de trabalho para restaurar o que se perdeu, e com a proliferação de espécies invasoras, dificilmente voltaremos a ter as serras cobertas das nossas plantas únicas", conclui.
Últimas