O ex-assessor de José Sócrates, Luís Bernardo, está a ser alvo de uma operação da PJ. É suspeito de crimes de corrupção, prevaricação, participação económica em negócio e abuso de poder. Em causa estará uma alegada viciação das regras da contratação pública que José Gomes Ferreira considera ser apenas “a ponta do iceberg” de uma complexa teia de influências em que estará também envolvido um amigo de Luís Bernardo, João Tocha.
“Estamos a falar de um grupo muito grande do qual Luís Bernardo é a cabeça ou é uma das cabeças porque, entretanto, há a associação em negócios com João Tocha, que também tem um grupo grande e agora vou caracterizar este grupo (…) Estas pessoas começaram como meros assessores de imprensa e tornaram-se criadores de grandes lobbies. Esta é a essência da evolução destas personalidades e dos grupos que criaram”, explica José Gomes Ferreira.
Ambos terão passado a interferir diretamente nos negócios com dinheiros públicos nacionais e comunitários e com dinheiros privados de grandes grupos que funcionam em oligopólio ou em monopólio. “Como empresas que trabalham na eletricidade, combustíveis por aí fora e atuando não só fazendo assessoria, mas propondo negócios de milhões, aplicação de dinheiros públicos, grandes projetos e mais do que isso, nomeação de gestores, amigos e perseguição e demissão de gestores inimigos. O que esta gente faz, portanto, é lobby puro e duro", sublinha.
“Saí de lá com a minha convicção e no dia seguinte fui para a antena dizer o mesmo”
José Gomes Ferreira destaca ainda os gastos exorbitantes com apresentações públicas e a constante tentativa de influência junto da comunicação social. A título de exemplo, relata um episódio que vivenciou como jornalista numa altura em que Luís Bernardo era diretor de comunicação do Benfica.
“Disse publicamente muitas vezes que Luís Filipe Vieira provocou o reconhecimento de enormes imparidades nos bancos, nomeadamente no Novo Banco, isto é um facto. O grupo dele ficou a dever e o banco teve que reconhecer imparidades e, portanto, nós contribuintes tivemos para pôr o dinheiro e então andava a dizer isto muitas vezes (…) Então fui convidado para ir falar com o senhor Luís Filipe Vieira para me explicar porque é que eu estava errado porque a sua senhora tinha ficado muito preocupada com o que eu andava a dizer sobre o marido e sobre a família”, conta José Gomes Ferreira.
Essa reunião, no centro de estágio do Benfica do Seixal, com Luís Bernardo, Luís Filipe Vieira e mais dois administradores que durante quatro horas tentaram convencer José Gomes Ferreira de que o grupo de Luís Filipe Vieira nunca tinha ficado a dever nada ao banco.
“Saí de lá com a minha convicção e no dia seguinte fui para a antena dizer o mesmo”, diz José Gomes Ferreira, e acrescenta: “é apenas um caso de como este tipo de influência era exercido para que se não dissesse a verdade sobre determinada personalidade e agora multipliquem isto por dezenas, centenas de casos, milhares de casos no país e, portanto, é este o tipo de lobby, e isto é só uma parte, uma pequena parte”.
Investigadas empresas de assessoria e organismos públicos
A operação denominada "Concerto" investiga empresas de assessoria, organismos públicos e residências, sob "fortes suspeitas" de favorecimento de empresas do setor da comunicação por parte de diversas entidades públicas, confirmou a PJ em comunicado.
O foco da investigação é Luís Bernardo, que detém a empresa de assessoria WLPartner, mas também ao amigo e consultor João Tocha, responsável da First Five Consulting.
De acordo com o comunicado da PJ, que não identifica os alvos das buscas, foram executados 34 mandados de busca e apreensão, nomeadamente, 10 buscas domiciliárias, 13 não domiciliárias em organismos públicos e 11 buscas não domiciliárias em empresas nas zonas de Lisboa, Oeiras, Mafra, Amadora, Alcácer do Sal, Seixal, Ourique, Portalegre, Sintra e Sesimbra.
A operação “Concerto” é coordenada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), conta com a participação de cerca de 150 elementos da PJ, além de oito procuradores do Ministério Público, num inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
"No âmbito de inquérito dirigido pelo DCIAP, investigam-se factos suscetíveis de enquadrar a prática dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, prevaricação, participação económica em negócio, abuso de poderes (titulares de cargos políticos) e abuso de poder (regime geral)", referiu o órgão de polícia criminal na nota divulgada.