Na quarta edição do European Rocketry Challenge (EuRoC) o céu é o limite para as equipas universitárias europeias. Com um recorde de 48 candidaturas foram selecionadas 22 equipas e, pela primeira vez na história do evento, Portugal conta com duas equipas, representando o Instituto Superior Técnico e uma associação de instituições do Norte do país. Falámos com os representantes de cada uma das equipas portuguesas.
Não é uma mera brincadeira de "atirar" foguetes para o ar: os estudantes têm que financiar, construir e lançar um rocket (a terminologia oficial) no desafio lançado pela Agência Espacial Portuguesa/Portugal Space.
A quarta edição do EuRoC conta com a participação de cerca de 600 estudantes universitários de 14 países e decorre no Campo Militar de Santa Margarida em Constância, Santarém, de 10 a 16 de outubro.
Pela primeira vez na história do evento, há duas equipas portuguesas em competição:
- A equipa RED (Rocket Experiment Division), do Instituto Superior Técnico, que participa pela terceira vez, desta vez com o projeto Camões. Na estreia em 2021, os RED lançaram o primeiro rocket português universitário no EuRoC, denominado Blimunda. Em 2022, tornaram-se na primeira equipa portuguesa a vencer um prémio na competição (categoria motor sólido, 3 000 metros), com o rocket Baltasar.
- A equipa North Space, constituída por estudantes do ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Porto), da Universidade de Aveiro e das Faculdade de Ciências e Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, estreia-se na competição com o projeto SPATI-I.
“O rocket mais bonito daqui da competição”
A equipa RED (Rocket Experiment Division), do Instituto Superior Técnico em Lisboa espera continuar com sucesso o percurso iniciado em 2021.
Depois do rocket Blimunda em 2021 e do Baltasar em 2022 - que ficou em segundo lugar na sua categoria da competição -, este ano é a vez do Camões.
“Demos um ar completamente português ao nosso foguete deste ano, aplicamos um vinil com impressão de azulejos. Toda a gente diz que é o rocket mais bonito da competição", conta orgulhoso Gonçalo Machado.
Mas não é só ao nível estético que há melhorias, a nível técnico há diferenças "para conseguirmos também chegar ao pódio este ano".
“Continuamos a desenvolver o nosso motor de propulsão sólida - o motor acaba por ser o mesmo, mas com algumas melhorias a nível de performance, principalmente. Depois há melhorias noutros sistemas a nível eletrónico e de recuperação, a nível de sistema de injeção de paraquedas”, explica.
“Não podemos fazer testes em qualquer lado”
Há vários desafios quando se constrói um foguetão, o processo, as decisões críticas para que tudo funcione, mas a principal dificuldade é fazer testes com o motor e o seu combustível.
Todo o processo de desenvolvimento e construção é realizado nas instalações do Instituto Superior Técnico em Lisboa, no laboratório do projeto RED, que pertence ao grupo de estudantes de engenharia aeroespacial Aerotec. "É a partir das instalações do núcleo, no laboratório de engenharia aeroespacial, que nós fazemos todo o design, desenvolvimento e construção do foguete”.
"Em termos de da propulsão, principalmente. é um desafio muito grande. Estamos a trabalhar com combustível e é tudo bastante inflamável. Temos alguns produtos também explosivos e é sempre um desafio grande principalmente em termos de logística para fazer testes. Envolve muitos protocolos de segurança, muita checklists para que corra tudo bem.
Os testes são normalmente feitos em bases militares e centros de apoio naval, explica Gonçalo.
O concurso e o futuro profissional
A presença nesta competição abre as portas a uma enorme indústria, às principais empresas do setor e alunos de todas as universidades da Europa, contactos importantes que poderão ser aproveitados no futuro.
"Temos acesso e podemos fazer contactos com diversos alunos de todas as universidades da Europa e, obviamente, também estão presentes várias empresas, e é sempre importante para nós alunos conseguirmos fazer esse contacto e aproveitá-los nos futuro”.
“Tentamos sempre que os nossos alunos estejam sempre integrados na indústria, não só na parte académica, e que com estes projetos extracurriculares também possam fazer parte e ver o que é que a indústria espacial portuguesa, e não só, tem para oferecer”.
O lançamento do rocket Camões está previsto para o fim de semana, mas tudo depende das condições meteorológicas. “São os limites da competição, a nível principalmente de vento, chuva e visibilidade. São estas as regras, temos que as seguir”.
A estreia da equipa do Norte
A equipa North Space, constituída por estudantes do ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Porto), da Universidade de Aveiro e das Faculdade de Ciências e Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, estreia-se na competição com o projeto SPATI-I.
Esta equipa que quer lançar um foguetão não tem, curiosamente, estudantes de engenharia aeroespacial: “temos na equipa [alunos] do curso de engenharia eletrotécnica e computadores, de engenharia física, de física, de engenharia mecânica e também já tivemos alguns alunos de medicina”.
“É um mix de vários cursos, mas a [engenharia] aeroespacial é facilmente alcançável quando conseguimos juntar várias cabeças e várias áreas diferentes, porque, no fundo a aeroespacial é uma mistura de um bocadinho de todas as outras engenharias”, explica João Coutinho.
Um investimento no futuro da Terra e da humanidade
Podem não ser especificamente de engenharia aeroespacial, mas o objetivo dos elementos da equipa é trabalhar no setor.
“Eu gostaria de ser astronauta, se tal não for possível, eu gostava de que [no âmbito] de alguma coisa que eu faça pudesse ir ao espaço”.
Quanto aos restantes estudantes da equipa “têm bastante interesse por esta área, pelos desafios, pelo que o aeroespacial e pelo que o espaço representam não só para a Terra, mas também para o futuro da humanidade”.
O concurso EuRoc foi uma oportunidade que se apresentou para darem os primeiros passos na área e “conseguir impulsionar esta a nossa ideia e esta vontade de querer fazer crescer o setor aerospacial no Norte e no resto do país".
Mas as portas não estavam propriamente abertas a estes visionários, “era muito complicado conseguir que empresas apostassem em nós”, tanto ao nível de investimento como de logísticas.
"Formámos uma associação e decidimos que este primeiro projeto seria um bom projeto piloto para nos tentar lançar para a frente”.
Assim surgiu a NORTH SPACE - Associação de Estudantes para a Exploração Espacial e, alguns meses depois, a aprovação da candidatura do seu projeto para esta 4.ª edição do EuRoc, chamando a atenção das empresas do setor.
“Afinal, estes estudantes estão aqui a propor fazer um foguetão mas estão a falar a sério, já não é uma brincadeira”.
Construção e financiamento de um foguetão
Num desafio desta natureza, há decisões críticas a tomar e a equipa North Space percebeu desde logo que o motor era uma peça que não poderiam construir para se poderem focar noutras partes do engenho.
“Não temos capacidade para desenvolver um motor, era, digamos, muita areia para a camioneta. Decidimos então comprar um motor (…) que soubéssemos que funcionasse e que simplesmente tínhamos que nos focar na estrutura do foguetão, nos sistemas de recuperação".
Entre financiamentos de empresas, campanhas de angariação de fundos entre colegas e doações das respetivas famílias, os estudantes puderam então focar-se em desenvolver as peças que precisavam, com ajuda de consultores externos especialistas.
Testes nos quintais das famílias e pesos de Pilates
Normalmente, o teste mais perigoso diz respeito ao motor, mas no caso do SPATI-I essa questão não se colocava. Mas outras peças tiveram de ser testadas.
"Tiveram que ser feitos alguns testes no que toca aos paraquedas, a certas peças para tentar perceber se elas aguentavam um certo tipo de pressão. Muitas vezes os testes aconteciam em casa, no jardim de casa que era o que nós tínhamos mais à mão, assim como objetos e peças como os pesos que se usam em Pilates
Mais que ganhar, voar é o primeiro objetivo
Já em Constância para pôr a voar o SPATI-I, os elementos da equipa que pela primeira vez participam estão “estupefactos com a grandiosidade e a complexidade de engenharia”, revela João Coutinho. “Isto é abismal, há coisas aqui espetaculares”.
Se tudo correr como previsto, e se a meteorologia deixar, o lançamento será no fim de semana.
“Voar é o primeiro e maior objetivo. Tudo o que vier depois é um bónus”.